Governo quer arrecadação, mas deixa sonegação legal
Publicado em:
17 de Dezembro de 2007 – Governo Federal ameaça escorchar ainda mais suas usuais vítimas preferenciais para compensar a perda tributária provocada pela derrota da proposta de prorrogação da CPMF no Senado. Médias empresas e sociedades de profissionais liberais correm o risco de ficar com a maior fatia da conta. Indícios nesse sentido chegam com a proposta de mudança na Lei n 7.689, de 1988, que estabeleceu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). É preciso lembrar que as mesmas normas de apuração e de pagamento estabelecidas para o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas valem para a CSLL, mantidas a base de cálculo e as alíquotas determinadas na legislação específica, a Lei n 8.981, de 1975. De modo bem claro, além do Imposto de Renda, a pessoa jurídica, qualquer que seja a opção, pelo lucro real, presumido ou arbitrado, deverá obrigatoriamente recolher a CSLL. Em outras palavras, não é permitido que a empresa opte por recolher Imposto de Renda pelo lucro real e a CSLL pelo chamado lucro presumido.
Desde o início da administração do presidente Lula o quadro mudou com alterações no valor das alíquotas. A partir de 1 de setembro de 2003, como determinou a Lei n 10.684 daquele ano, a base de cálculo da CSLL devida por pessoas jurídicas que escolheram a forma do lucro presumido passava a corresponder a 12% da receita bruta no caso das atividades comerciais, industriais, serviços hospitalares e de transportes e 32% na prestação de serviços (menos os hospitalares e transportes), intermediação de negócios e na administração, locação ou cessão de bens móveis e imóveis.
A rigor, porém, a pessoa jurídica mantinha certo poder de dedução tributária intacta na lei de 2003. Nos termos da Lei n 9.249, artigo 9º de 1995, preservou-se a possibilidade de a empresa deduzir, na determinação do lucro real, conforme o regime de competência, os juros pagos a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), a taxa de juro especial para o capital destinado à produção. Desse modo, faz onze anos que o valor dos juros não é considerado como despesa dedutível para fins de apuração da CSLL. Porém, desde janeiro de 1997, a Lei n 9.430, de 1996, notadamente no artigo 88, determinou que os juros sobre capital próprio passavam a ser dedutíveis para efeito da base de cálculo da CSLL.
Vale notar, essencialmente, que o Imposto de Renda e a Contribuição Social Sobre o Lucro das empresas no Brasil são de 34%, a soma da taxação de 25% do Imposto de Renda e de outros 9% da Contribuição Social. Como estabeleceu a legislação, no entanto, a parcela do lucro considerado como juro do capital próprio não está sujeito ao IR naquele valor de taxação e também à alíquota da Contribuição Social. Na compreensão da lei, o lucro é considerado juro do capital próprio, ficando sujeito exclusivamente ao imposto de 15%, recolhido pela empresa.
Há um forte desvio nessa premissa de justiça tributária. Capital próprio não é característica de pequenas e médias empresas, muito menos das sociedades de prestação de serviços. Capital próprio é uma característica de grandes empresas e grandes conglomerados. Na prática, tais grupos, por diferentes formas de elisão e renúncia fiscal, não pagam o IR de 25% e também não recolhem a CSLL de 9%.
Nesse processo, é fácil perceber que está em marcha uma aspiração do governo de repor a perda da CPMF por intermédio de um aumento da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro. Se essa vontade se transformar em decisão de governo, as médias empresas e sociedades de profissionais liberais que escolheram a opção do lucro presumido pagarão mais imposto. E, por outro lado, os grandes conglomerados e as empresas mais capitalizadas ficarão de fora do aumento, sustentados no fato de que a maior parte de seu lucro é tratada como juro do capital próprio e, dessa forma, livre de Imposto de Renda e da Contribuição Social.
O resultado dessa aspiração pode ser observado já no exercício de 2007. A receita do imposto de 15% sobre o juro de capital próprio está estimada em R$ 3 bilhões. Caso o lucro das grandes empresas passe a ser tratado como os demais e, portanto, sujeito ao Imposto de Renda de Pessoa Jurídica de 25% e de 9% sobre a Contribuição Social, o fato representaria receita de R$ 7 bilhões, propiciando um ganho de R$ 4 bilhões.
O caminho para compensar a perda da CPMF não passa pelo aumento da alíquota da CSLL, porque a "punição" atingiria somente empresas médias e sociedades de profissionais liberais. O que é preciso é corrigir a sistemática de juros de capital próprio, que embute forte renúncia das obrigações com o fisco, reservada apenas para os grandes. Não é justo continuar pesando as garras do leão apenas de um lado da balança.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 2