As duas faces da globalização
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Não são apenas as grandes corporações que têm vez na economia globalizada. Os pequenos negócios nunca tiveram tanta chance de ganhar o mundo. O problema é que o consumidor também se globalizou
Roberta Paduan
Esse ambiente aparentemente paradoxal — que abriga empresas gigantescas e, ao mesmo tempo, permite que negócios recém-criados, com poucos recursos, disputem espaço no mercado mundial — é um dos aspectos mais extraordinários do avanço da globalização nas últimas décadas. "A atual fase da globalização não beneficia apenas as grandes organizações. Abre também oportunidades às pequenas, que dificilmente teriam chance de existir sem acesso aos mercados internacionais", afirma Ernesto Lozardo, professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. De fato, dificilmente a P3D seria criada caso seu mercado se limitasse ao Brasil. O mais provável é que o plano de negócios de Lowe fosse engavetado. Enquanto nas escolas inglesas há 500 000 lousas eletrônicas e nos Estados Unidos cerca de 300 000, no Brasil há menos de 2 000 e pouca perspectiva para sua popularização.
Ao que tudo indica, Lowe já aprendeu uma das regras do jogo da globalização: é verdade que os pequenos, neste momento da história, dispõem de mais chance de se mostrar ao mundo, mas isso só é possível se tiverem um produto ou serviço inovador, ou se souberem encontrar nichos de mercado — especialmente nos setores com menor exigência de capital, como os de serviços e de tecnologia. Essa, no entanto, é a única facilidade com a qual podem contar. Para alcançar sucesso, as pequenas empresas precisam trabalhar como grandes. E, a menos que seu mercado seja muito específico, elas têm de crescer rápido, caso contrário seus produtos acabam sendo copiados, e possivelmente melhorados, por competidores que podem ocupar espaço mais rapidamente. A razão dessa corrida alucinante é uma só: não foram apenas as empresas que se globalizaram, mas também os consumidores, que são quem, de fato, gira a roda da economia mundial. O desenvolvimento das comunicações e da tecnologia da informação fez com que habitantes de um vilarejo latino-americano ou asiático pudessem tomar contato com pessoas que estão em Nova York e com artigos e serviços que são oferecidos a elas. "Esse tipo de experiência acaba nivelando por cima a exigência dos clientes e dos consumidores, que demandam produtos e serviços com qualidade cada vez mais alta e preços cada vez mais baixos", afirma Marcelo Gil, responsável pela área de estratégia da consultoria Accenture na América Latina. É uma realidade muito diferente da que existia há 40 anos. Em 1967, quando EXAME nascia, o mundo ainda engatinhava na transmissão televisiva por satélite. No Brasil daqueles tempos não era possível ver imagens ao vivo geradas em outros países. Apenas 2% da população brasileira possuía telefone em casa e as ligações internacionais eram raríssimas.
Bill Gates resumiu bem o atual estágio de competição global quando disse que a Microsoft está sempre a 18 meses da falência. Sua explicação foi a seguinte: se a Microsoft não vender em grande escala, não terá lucro suficiente para arcar com os custos de pesquisa e desenvolvimento que o mercado exige permanentemente.
Entre as empresas brasileiras, a situação não é diferente. "É a necessidade que nos leva para fora e nos obriga a crescer", afirma José Antonio Martins, vice-presidente do conselho de administração da Marcopolo, fabricante de ônibus com sede na cidade gaúcha de Caxias do Sul. "Quem pára tende a desaparecer." A estratégia de internacionalização da Marcopolo, iniciada na década de 90, levou a companhia a se posicionar entre as cinco maiores fabricantes mundiais de veículos para transporte coletivo. Atualmente, a Marcopolo possui fábricas em Portugal, México, Colômbia e África do Sul, além de duas sociedades, uma na Índia, com a Tata Motors, e outra na Rússia, com a Ruspromauto, ambas as maiores montadoras de veículos em seus países. No caso da mineradora Vale do Rio Doce, que realizou a maior aquisição já feita por uma empresa brasileira — a recente compra da canadense Inco por 18,7 bilhões de dólares –, o agigantamento é um imperativo. "Sempre estivemos expostos à competição internacional pelo fato de atendermos clientes estrangeiros", afirma Roger Agnelli, presidente da Vale. "Isso exige uma busca contínua por eficiência, redução de custos e aumento de qualidade, que não podem ser atingidos sem escala." A operação da Vale demanda investimentos pesados em pesquisas de novas jazidas de minérios, maquinário de produção e meios de transporte. Nos últimos sete anos, a empresa comprou 19 concorrentes, com investimento total de 25 bilhões de dólares.
Apesar de as multinacionais terem se multiplicado ainda na década de 50, e de algumas existirem há mais de um século, elas só se tornaram verdadeiras empresas globais da década de 90 para cá. "Até então, elas funcionavam como confederações globais de empresas que trabalhavam de maneira bastante independen te", afirma Dario Gaspar, sócio da consultoria A.T. Kearney. A importância das subsidiárias é expressa pelo aumento dos investimentos diretos feitos pelas matrizes fora de seus países de origem, que passaram da média de 24 bilhões de dólares ao ano, durante a década de 70, para 917 bilhões de dólares anuais, em média, desde o ano 2000. A soma dos ativos das filiais das multinacionais também cresceu vertiginosamente, de 6 trilhões em 1990 para 51 trilhões de dólares no ano passado.
Com a presença mais distribuida no mundo, a maneira de trabalhar dentro das multinacionais modificou-se completamente. "Antes, boa parte das filiais cumpria papel de meros distribuidores de produtos de suas matrizes", afirma Gil, da Accenture. Hoje, além de produzir com a mesma qualidade, muitas vezes exportando para a própria matriz, as subsidiárias também trabalham em conjunto no desenvolvimento de produtos globais. Neste momento, os engenheiros da área de transformadores da Siemens no Brasil estão construindo junto com engenheiros da Siemens na Áustria os equipamentos vendidos pela matriz alemã que serão instalados em usinas termelétricas na Hungria e na Eslováquia. "Há dez anos, um diretor poderia passar um mês sem falar com seu par na matriz", afirma Arthur Lavieri, diretor da área de transformadores da Siemens Brasil, uma das multinacionais mais antigas do mundo e com 102 anos de presença no país. "Hoje, metade dos mais de 100 e-mails que recebo por dia é internacional."
Especialmente ao longo dos últimos 15 anos, as empresas aprenderam e se acostumaram a encontrar fornecedores fora dos países de origem. Mais que isso, passaram a procurar outros pontos no planeta onde possam produzir mais barato, tornando a terceirização mais um produto da globalização — o chamado global sourcing. "Essa foi a senha para que empresas recém-nascidas também encontrassem espaço para se apresentar a clientes internacionais", diz Gaspar, da A.T. Kearney. A Daitan Labs, fundada há três anos em Campinas, no interior paulista, já nasceu voltada para o mercado externo. Apenas um de seus 15 clientes é brasileiro.