‘Pacote do governo não faz justiça tributária’
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Portal Fenacon
Para especialistas ouvidos pela FOLHA, correção na tabela do IRPF é irrelevante, e aumento da carga tributária acaba recaindo sobre consumidor
O governo federal, via Ministério da Fazenda, enviou ontem ao Congresso projeto de lei que prevê o aumento da carga tributária em diversas frentes. Para isso, anunciou medidas que produzirão uma receita de R$ 5,35 bilhões, mas, ao mesmo tempo, editou uma proposta de correção na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) que terá um impacto negativo de R$ 5,2 bilhões.
Entre as medidas anunciadas pelo governo estão as alíquotas de 15%, 20% e 25% sobre heranças acima de R$ 5 milhões e doações acima de R$ 1 milhão. A estimativa da Fazenda é aumentar a arrecadação em 2017 em até R$ 1,06 bilhão para a tributação das heranças e de R$ 494 milhões para a tributação das doações. Outra proposta é a de tributação do excedente do lucro pelas empresas tributadas pelo lucro presumido e pelo Simples Nacional. Segundo o Ministério da Fazenda, a alíquota de 15% terá um impacto estimado em R$ 1,57 bilhão para a tributação excedente do lucro presumido e R$ 591 milhões para a tributação do Simples Nacional
MAIS CUSTOS
Na avaliação de Jaime Junior Silva Cardozo, diretor presidente do Sindicato das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações, Pesquisas e de Serviços Contábeis de Londrina e Região (Sescap-LDR), as medidas que estão sendo propostas pelo governo em nada deverão contribuir para trazer a “justiça tributária” que o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, disse haver com o anúncio do pacote tributário (veja no box), já que a correção da tabela do IRPF mais uma vez ficou abaixo da inflação e o reajuste médio do salário do trabalhador negociado para este mês ficou entre 9% e 11%. Isso quer dizer que o salário dos brasileiros aumentará mais que o teto de isenção do IRPF, fazendo com que mais trabalhadores passem a pagar impostos.
“Desde 1996 vêm sendo feitas correções com valor inferior à inflação. Isso vai aumentar o número de trabalhadores que estarão sujeitos ao recolhimento.” Nesse caso, a arrecadação deverá aumentar, e não diminuir, o que faz cair por terra a necessidade do pacote de medidas proposto pelo governo federal para compensar a perda de arrecadação com a correção da tabela do IRPF. Segundo Cardozo, o fato de o reajuste na tabela do IRPF ter ficado abaixo da inflação resultou em uma arrecadação de R$ 37 bilhões a mais no exercício 2014-2015.
Além disso, a tributação do excedente do lucro das empresas optantes pelo regime de lucro presumido e pelo Simples Nacional deverá aumentar os custos das empresas, que repassam o valor no preço de produtos e serviços. No fim da cadeia, quem acaba prejudicado é o próprio consumidor. “Vira uma roda-viva. Todos os impostos acabam sendo repassados para o consumidor. Qualquer medida do governo que visa aumentar a carga tributária faz aumentar o preço de produtos e serviços e quem paga é o consumidor.”
BITRIBUTAÇÃO
Para que haja justiça tributária, é preciso que se diminua os tributos de quem ganha menos, afirma o presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike. “O motorista de um Fusca paga o mesmo imposto que o motorista de uma BMW”, exemplifica.
Em relação à medida de cobrança de tributos sobre herança e doações, o presidente do IBPT ressalta que os contribuintes ficarão sujeitos a uma “bitributação”, uma vez que sobre esse tipo de renda já é preciso pagar uma alíquota estadual, o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de quaisquer bens os direitos (ITCMD), que gira entre 4% e 8%. “O governo está dizendo que essa tributação no Brasil é muito baixa, que em outros países chega a 20% a 60%, mas se esquece que nesses países os contribuintes pagam impostos sobre bens e renda”, diz Olenike. Segundo ele explica, no Brasil, os contribuintes pagam impostos sobre o consumo, fato que gera uma tributação maior.
Para o presidente do IBPT, dificilmente as medidas propostas pelo governo irão passar pelo Congresso Nacional, haja vista as inúmeras elevações tributárias que já ocorreram em 2015 e 2016. A lista, segundo ele cita, é grande. “O brasileiro, tanto pessoa física quanto instituições que representam as empresas, estão não mais acreditando em qualquer aumento de arrecadação via aumento tributário. Estamos em uma recessão bárbara, ninguém está comprando nem vendendo nada. Quem pagar mais imposto vai pegar o aumento e repassar para o preço do produto ou serviço, e quem já não estava querendo comprar não vai comprar mais nada.”
Barbosa defende que correção tem responsabilidade fiscal
Brasília – Em meio às críticas dos aliados do vice-presidente Michel Temer, o governo federal bate na tecla de que o projeto de lei enviado ontem ao Congresso fará “justiça tributária”. “As medidas alcançam contribuintes que têm condição de contribuir melhor para a sociedade”, defendeu o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid.
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, avaliou que o governo reajustou a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física de 2017 com responsabilidade fiscal. Segundo ele, o governo adotou medidas compensatórias para bancar o reajuste da tabela que elevam a carga tributária e trazem mais progressividade.
“Estamos aumentando a progressividade do IR e fazendo isso sem gerar impacto fiscal”, afirmou Barbosa, durante o anúncio do pacote tributário. Barbosa também disse que as medidas trarão mais justiça tributária, alcançando as camadas mais ricas da população brasileira.
Entre as medidas que tributam as faixas mais elevadas de renda, estão a tributação do direito de imagem e sobre heranças e doações. “A tributação sobre direitos de imagem afeta camadas mais ricas, que vão financiar a correção da tabela”, disse o ministro.
Segundo Barbosa, outra medida que diminui distorções na cobrança do IR que beneficia a maior progressividade é a tributação do excedente do lucro presumido distribuído aos sócios. Ele explicou que a medida eleva a tributação do IR para combater a chamada “pejotização”, que são pessoas que abrem empresas para pagar menos os impostos. “Ainda assim, continua tendo uma tributação mais vantajosa. Temos que corrigir distorções”, afirmou Barbosa.
O ministro avaliou ainda que a tributação de heranças e doações, além de trazer mais progressividade, se alinha ao que é feito no resto do mundo. Ele fez questão de destacar que não se trata de tributação de grandes fortunas, matéria que está sendo discutida no Congresso. “É uma medida que traz justiça tributária”, reforçou ele.
Impacto concentrado
De acordo com o secretário da Receita Federal, a tributação de herança terá um impacto muito concentrado. O governo propôs que heranças e doações de até R$ 5 milhões e R$ 1 milhão, respectivamente, sejam isentas, considerando os valores no intervalo de dois anos, mas quer taxar com alíquotas de 15%, 20% e 25% heranças acima de R$ 5 milhões e doações acima de R$ 1 milhão. O Ministério da Fazenda informou que 6,5 mil contribuintes declararam em 2014 ter recebido doações e heranças acima de R$ 1 milhão.
A alíquota de 15% incidirá sobre heranças entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões e doações entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões; 20% serão aplicados sobre heranças entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões e doações entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões; 25% será a alíquota que incidirá sobre heranças acima de R$ 20 milhões e doações acima de R$ 3 milhões.
O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, avaliou que o estabelecimento de tributação sobre heranças e doações pela Fisco federal está previsto na legislação e não representará uma “dupla tributação” em relação à cobrança que já é feita pelos Estados. Segundo ele, a fixação de alíquotas de 15%, 20% e 25% tem como objetivo auferir a renda e não a transmissão, como nos Estados. “A legislação do Imposto de Renda atual já prevê a tributação, o que vigorava até agora era isenção”, disse ele.
O representante da Receita reconheceu que a base de incidência é a mesma, mas afirmou que a Constituição já prevê um limite máximo de tributação que leva em consideração a cobrança dos Estados. “Não há que se falar em dupla tributação”, disse ele. (Agência Estado)