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Tributo simples é tributo justo?

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Entusiastas da simplicidade crêem na tese um tanto puída da justiça tributária com praticidade, mas há controvérsias

Fernando Zilveti

Algumas crendices são constantes na história do pensamento e têm incrível capacidade de conquistar pessoas. Uma delas é a teoria da simplicidade na tributação. Obsessão dos pandectistas, a simplicidade esteve sempre relacionada ao pragmatismo, à praticidade. A doutrina desses financistas alemães contagiou a doutrina da Ciência das Finanças no final do século XIX e o Direito Tributário desde o início do século XX. A praticidade ou simplicidade teve, contudo, momentos de maior e menor aceitação doutrinária e jurisprudencial.

Os entusiastas da simplicidade ou praticidade sustentam tese um tanto puída da identidade conceitual da justiça tributária com praticidade. Acreditam que a tributação simples atende melhor o contribuinte que, graças ao tributo prático, passaria a se preocupar mais com a gestão de suas atividades pessoais e profissionais e menos com a relação tributária.

De fato, no campo ideológico, a tributação simples e prática seria mais igualitária sempre que sua sistemática facultasse melhor divisão da carga tributária na proporção da capacidade contributiva do cidadão. Assim, quanto mais prática fosse a tributação, melhor seria a distribuição do encargo das despesas públicas.

No Brasil, tese equivalente é sustentada por parcela da doutrina especializada em política fiscal. Segundo essa teoria, o tributo simples facilita a vida do contribuinte, evita informalidade e melhora qualitativamente a arrecadação. Além disso, o tributo simples seria responsável pelo excepcional implemento na arrecadação nos últimos 15 anos. Com efeito, após a implantação de alguns sistemas práticos de arrecadação como o Simples e o Lucro Presumido para a tributação das pessoas jurídicas, e o método de ajuste simplificado para o Imposto de Renda das pessoas físicas, a Receita Federal experimentou um salto de arrecadação sem precedentes na história recente das finanças públicas.

Alguns tecnocratas chegam a criar índices de eficiência fiscal, com base em estatísticas econômicas de arrecadação por tipo de tributo, segregados aqueles de maior e menor complexidade em relação ao objeto, como a renda, o consumo, serviços, patrimônio, etc. Estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE), vinculada à Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo , propõe a implementação de programas de simplificação tributária. Dentre as sugestões desse respeitável instituto se destacam duas medidas: a) unir todos os impostos sobre consumo em apenas um único imposto, cuja base seria o valor adicionado total de bens e serviços nacionais e importados, com alíquota única; b) fusão de tributos sobre a renda (IR, CSLL, COFINS, etc.) num único tributo federal com alíquota única. O sistema tributário proposto, sustenta a FIPE, "além de mais simples e racional, promoveria a redução de preços, seria menos regressivo, promoveria a distribuição de renda a favor dos mais pobres e desestimularia a informalidade no mercado de produtos e de trabalho". Esse estudo ressalta, afinal, que a racionalização do sistema tributário resultaria numa redução de carga fiscal.

Contrapõe-se, porém, ao argumento da eficiência fiscal da tributação prática, a implantação da mecânica não acumulativa em relação às contribuições sociais PIS e COFINS. Sistema complexo não acumulativo de base contra base provocou significativo aumento na carga tributária relacionada a esses tributos nos últimos anos.

A observação dos dados de arrecadação divulgados pela Receita Federal não leva à conclusão da eficiência fiscal dos tributos práticos ou simplificados. Revela apenas que a implantação de instrumentos de arrecadação tem efeito no implemento da arrecadação. Em outras palavras, a tributação prática ou complexa pode trazer efeitos positivos para o Fisco que, dessa forma, aumenta seus recursos fiscais.

Verifica-se, portanto, uma confusão entre tributação prática e tributação forfetária. A segunda modalidade de arrecadação é também conhecida como planta genérica de valores, utilizada no ICMS e em outros tributos. Aquilo que se denominou tributação simples, hoje chamado de "supersimples", é apenas forma de propaganda política. Por meio da introdução dessas mecânicas tributárias, o Fisco e o contribuinte sabem antecipadamente quanto devem, respectivamente, recolher e pagar. Nada mais.

O que não se revela, afinal, são os efeitos práticos para o contribuinte da implementação da tributação simplificada forfetária. No imposto de renda das pessoas físicas, por exemplo, a simplificação do sistema de ajustes trouxe impactos negativos na regressividade desse tributo, que forçou as famílias a optar por descontos simplificados diante da limitação de deduções de despesas com saúde, escola e educação, itens de significativo peso nos custos da família. Para as empresas, a tributação simplificada limitou a gestão do micro e pequeno empresário , que paga tributos mesmo quando seu negócio não produz renda líquida para tanto.

Enquanto isso, graças à mecânica forfetária, aumenta a arrecadação e, em igual proporção, o gasto público. A pressão fiscal conduz a tributação à crescente forfetização do sistema. Conclui-se portanto, que nem sempre o tributo simples é prático, tampouco é justo.

O filósofo alemão Jürgen Habermas disse que o Brasil vive vários séculos ao mesmo tempo. Embora não seja totalmente industrializado, já sente a pressão das idéias geradas pelos primórdios da sociedade pós-industrial. Sofre a influência dos desencantos com Prometeu e o princípio do desempenho.

Entusiastas da simplicidade crêem na tese um tanto puída da justiça tributária com praticidade, mas há controvérsias.