Os novos caminhos da sociedade limitada
Publicado em:
Rodrigo B. Fontoura
Embora as sociedades limitadas representem aproximadamente 99% dos registros de sociedades empresárias perante as juntas comerciais dos respectivos Estados da federação, historicamente elas sempre possuíram um papel secundário em relação aos grandes negócios no país. Neste sentido, as grandes transações sempre foram, via de regra, efetuadas por e entre sociedades empresárias cujo capital social estava representado em ações: as sociedades anônimas ou sociedades por ações, cujo regramento legal está refletido na Lei nº 6.404, de 1976, e que foram criadas, desde sempre, para representarem a forma mais apropriada para a estruturação de sociedades empresárias, amparando o interesse dos acionistas e fomentando a atividade econômica.
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Muito disso ocorreu, obviamente, pela vasta gama de possibilidades inerentes à estruturação das sociedades por ações, característica esta que, por si só, dá asas à imaginação de qualquer empresário ou investidor ao vislumbre da segurança jurídica e elasticidade características deste tipo de sociedade. Neste diapasão, uma sociedade por ações bem estruturada, além de ter sua regência lastreada em uma legislação forte e específica, conforme acima mencionado, possibilita aos seus partícipes a constituição de uma empresa cujos atos constitutivos, associados a um bom acordo de acionistas, são capazes de refletir quase todas as garantias e disposições necessárias à gestão de negócios. Além disso, traz em seu cerne a mais fantástica de suas polivalências: a possibilidade de buscar proventos no mercado de capitais, fator este muitas vezes decisivo, em termos de estratégia, no mundo negocial.
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De qualquer maneira e como já dito, exatamente por estar amarrada à idéia de simplicidade em sua gestão, a sociedade limitada ficou relegada ao plano de pequena empresa, estruturando apenas sociedades que teoricamente não demandassem grandes articulações societárias. O que deve ficar claro neste momento é que este conceito é coisa do passado. Com o advento do novo Código Civil, a sociedade limitada ganhou contorno e notoriedade que antes não possuía, sendo implementado todo um novo aparato legal cujo condão foi o de permitir a ampliação de suas atribuições jurídico-societárias, possibilitando que operações antes privativas de sociedades por ações pudessem ser perfeitamente executadas através da utilização dos recursos disponíveis na respectiva legislação ordinária e mediante um competente planejamento, tornando-as muito mais atrativas sob o olhar de possíveis grupos investidores.
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Mas como isso? Basta utilizarmos alguns conceitos básicos que nitidamente não são explorados: a possibilidade de efetivar-se um acordo de quotistas entre os sócios da empresa, a aplicação do princípio da desigualdade de quotas do capital social e, finalmente, a tendência cada vez maior de exercer a administração da sociedade em observância às regras de transparência e governança corporativa.
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O acordo de quotistas nas sociedades limitadas funciona exatamente como o acordo de acionistas nas sociedades por ações. Assim, é no texto de um bom acordo de quotistas que vai ser previsto, por exemplo, a forma de retirada de um sócio que seja simples e eficaz. Mais que isso: através do alinhamento de seu texto vai-se criar uma forma de vincular os demais sócios quotistas no acompanhamento de eventuais operações de alienação do capital social, reorganização e reestruturação societária, criando-se virtualmente obrigações como o "tag along" ou o "drag along", por exemplo. Enfim, com o acordo de quotistas, podem ser criadas situações favoráveis aos investidores, que procuram um ambiente corporativo onde haja liquidez e possibilidade de uma rápida saída da sociedade pela venda com lucro da participação no capital social.
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Além disso, pelo princípio da desigualdade de quotas do capital social, insculpido no artigo 1.055 do Código Civil, podem ser superados os problemas decorrentes dos altos quóruns de aprovação, característicos das sociedades limitadas, recorrendo-se a recursos sofisticados como a criação de "golden shares", de modo a criar quotas que atribuem aos seus proprietários um maior peso na votação das matérias.
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Finalmente, temos que a adoção das práticas de governança corporativa, nas sociedades limitadas, também traz uma maior liquidez às suas quotas, e isto por um motivo simples: não é só na lucratividade que os investidores pensam quando vão investir. É fundamental que haja transparência na administração da sociedade, aliada à possibilidade de se criar órgãos de fiscalização atuantes – requisito este devidamente preenchido pelo novo Código Civil, que introduziu a permissibilidade quanto à instalação dos conselhos fiscais nas sociedades limitadas e, ainda, tornou possível administrá-las com o mesmo grau de transparência das sociedades anônimas, publicando-se balanços, realizando-se assembléias e obrigando os administradores a prestarem contas aos sócios, sob pena de responsabilização.
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Assim, vemos que as sociedades limitadas representam, atualmente, uma ótima oportunidade de investimento àqueles que desejam aliar praticidade e liquidez, unindo uma estrutura corporativa bastante simples à possibilidade de serem realizadas operações societárias sofisticadas. A constatação óbvia, porém, é a de que ainda existe uma barreira a ser superada em relação à utilização da sociedade limitada puramente para fins de investimento. Parece-me, todavia, que estamos percorrendo o caminho correto.
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Rodrigo B. Fontoura é advogado e consultor jurídico da CPFL Energia |
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