Imposto sobre grandes fortunas é alternativa ao ajuste fiscal
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Jornal do Comércio
Roberta Mello
Um assunto antigo, que permeia as discussões tributárias e políticas desde o período da redemocratização no Brasil, voltou com força renovada este ano devido à necessidade do governo de reequilibrar as contas. O imposto sobre grandes fortunas (IGF) é um dos sete previstos na Constituição Federal de 1988 e já foi incluído em inúmeros projetos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, mas nunca saiu do papel por diferentes motivos.
Entre os principais argumentos contra estão os de que o tributo teria um pequeno volume de arrecadação, tornaria pior o já instável ambiente de negócios brasileiro e custaria muito caro para ser mantido devido à necessidade de investimento forte em fiscalização. A seu favor, a crença de que o IGF poderia contribuir para a distribuição de riquezas no País e tornaria mais justa a tributação ao pesar a mão sobre o patrimônio dos mais ricos, visto que os impostos sobre consumo (modelo atual) acabam por penalizar as classes menos abastadas.
A primeira tentativa de regulamentar o tema foi o projeto de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1989. Também no Senado tramita a matéria mais recente. O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 315/2015, apresentada em 28 de maio de 2015 pelo senador Paulo Paim, prevê uma contribuição anual dos contribuintes com patrimônio ou espólio (herança) anual de R$ 50 milhões, situado no País ou no exterior.
No Congresso Nacional, estima-se que, ao todo, 12 propostas de implementação da taxação sobre grandes fortunas estejam em tramitação, mas há muita resistência. A mais antiga, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 202, data de 1989 e está desde dezembro de 2000 pronta para ser votada em Plenário. Entre elas está, ainda, o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 48/11, que cria um IGF para financiar gastos públicos com o setor de saúde.
Um dos problemas é a dificuldade de se definir o tamanho do patrimônio de alguém e qual seria o parâmetro para grandes fortunas. Porém, diz o mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Amir Khair, isso é “desculpa de quem não quer ver o tributo acontecer”.
A experiência internacional aponta para três modelos de tributação de grandes fortunas possíveis. O primeiro é dos tributos sobre a riqueza, no qual é tributado todo o patrimônio do cidadão durante o ano. Esta é uma das alternativas mais comuns, adotada por muitos países europeus.
O segundo é o modelo da tributação sobre heranças e doações, também muito popular entre as nações que adotam o regime diferenciado. E, por último, há a taxação sobre rendimento presumido da riqueza, ou seja, sobre fruto presumido pelo Estado. No Brasil, não há consenso sobre o ideal. No entanto, os projetos de lei tratam de tributos sobre o rendimento presumido de riqueza, ou seja, sobre o patrimônio global do cidadão.
De acordo com o consultor da área de Direito Tributário da Câmara e um dos autores de um estudo que analisa experiências internacionais relativas ao imposto sobre grandes fortunas, Jules Michelet, se discute muito se o modelo europeu ia ser eficaz para redistribuir riqueza no Brasil. “Há países como os Estados Unidos que chegaram à conclusão de que tributar a riqueza em si não é produtivo, por ser muito difícil e caro para a tributação. Por isso, eles adotam o modelo sobre herança”, disse Michelet.
Defensores destacam caráter social
Ante um cenário de ajuste fiscal cujas principais medidas (as MPs 664 e 665) mexem em grandes conquistas da classe trabalhadora, o I?GF desponta como uma forma de aumentar a arrecadação sem mexer no bolso de quem, proporcionalmente, já paga mais altos impostos.
Mestre em Finanças Públicas pela F?GV e um dos nomes mais respeitados no assunto, Amir Khair estima que a arrecadação do IGF poderia ultrapassar R$ 100 bilhões por ano se aplicada uma alíquota média de 1%. O estudo leva em conta dados patrimoniais do Imposto de Renda de 2000, os mais recentes disponibilizados pela Receita Federal, diz o pesquisador. “Contudo, aplicada a inflação de 2000 para cá e levando em conta as mudanças no padrão de vida do brasileiro, esse valor pode ser bem maior”, alerta.
Khair destaca que, além de gerar renda à União, o IGF é um tributo “pró-desenvolvimento econômico e social, traz melhorias na distribuição de renda e diminui a tributação sobre as camadas mais pobres da população”. “Não tem por que não ser colocado em prática”, defende.
Tendo em vista a atual conjuntura econômica nacional, o modelo atual de arrecadação, baseado no consumo, pode ser um tiro no pé. O segredo para um ajuste fiscal e reforma tributária realmente eficazes, diz Khair, deve ser o aumento da tributação sobre o patrimônio e diminuição, progressiva, da carga tributária.
Para o analista político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, o IGF é uma necessidade não apenas para a arrecadação como do ponto de vista da justiça tributária. Segundo Queiroz, representante de uma entidade que congrega cerca de 900 entidades sindicais de trabalhadores do País, o tributo “tira um pouco o peso sobre os ombros dos assalariados, mostra à sociedade quais são as grandes fortunas e acaba com a sensação de que a conta sempre é paga pelo trabalhador”.
“Se é para fazer mudanças, vamos fazer não tirando dos mais pobres, mas tirando um pouco mais daqueles que são bilionários e que menos pagam tributos no País”, disse o senador Paulo Paim, autor do PLS 315, durante a exposição da matéria. Na justificação do projeto de lei, o senador enfatiza que 1% da população concentra 13% da riqueza do País, enquanto os mais pobres pagam muitos impostos indiretos.
Opositores discutem capacidade arrecadatória
“Se o imposto sobre grandes fortunas não funciona no mundo inteiro, por que vai funcionar aqui?”, questiona o advogado Ives Gandra Martins, para quem a tributação é uma medida de caráter unicamente ideológico. O jurista sustenta que experiências internacionais comprovam que há pouca capacidade arrecadatória. A aplicação do IGF poderia, inclusive, desestimular o investimento no País e contribuir para a elisão fiscal – fuga de empresas instaladas em território nacional. “Aprovar o IGF é fazer com que todas as empresas migrem para países vizinhos como Colômbia, México, Peru, por exemplo, que têm carga tributária muito inferior à brasileira”, determina Ives Gandra.
“Uma série de outros impostos diretos poderiam cercar as pessoas físicas com capacidade contributiva maior”, complementa o economista Gustavo Moraes, professor da Faculdade de Administração, Economia e Ciências Contábeis (Face) da Pucrs. Para Moraes, a saída deve ser o aperfeiçoamento dos impostos diretos já existentes, como o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e de Serviços (ICMS), o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) e, quem sabe, a volta da Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF).