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Impostos em cascata inibem avanços

Publicado em:

Valor Econômico

 

 

 

 

Por Maria Alice Rosa | Para o Valor, de São Paulo

A indústria da reciclagem terá de desatar um nó tributário para tornar sustentável o seu desenvolvimento no Brasil.

Hoje, a cadeia da chamada logística reversa – pela qual, depois de utilizados ou consumidos, os produtos ou embalagens industrializados retornam em forma de insumos ao começo do ciclo produtivo original – arca com impostos municipais, estaduais e federais que, somados, chegam a R$ 2,9 bilhões, em valores de 2013, de acordo com um estudo realizado pela consultoria LCA a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Neste processo, há casos de atividades que bancam um custo maior que outras e impostos que incidem mais de uma vez dentro da mesma cadeia, além de empresas com oneração diferenciada, dependendo do enquadramento tributário a que pertencem. Essa complexidade dificulta a desoneração, mas começam a surgir propostas para tentar aliviar a carga tributária, buscando envolver todos os entes federativos em ações de estímulo ao avanço da reciclagem no Brasil.

 

“O eixo do nosso raciocínio é que as matérias-primas deveriam pagar impostos para ingressar no sistema econômico uma única vez, no momento em que são processadas pela indústria, e não pagar nada depois de utilizadas e descartadas, quando retornam ao sistema econômico”, afirma o diretor do Departamento de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Alexandre Comin. Com a instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, ficou estabelecida a responsabilidade compartilhada entre fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, órgãos públicos e cidadãos pelo ciclo de vida dos produtos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos também engloba a logística reversa, conferindo às empresas da cadeia a incumbência de desenvolver ações para tornar viáveis a coleta e a restituição dos resíduos ao setor produtivo.

Conforme o estudo realizado pela LCA, intitulado “Ampliação e aperfeiçoamento dos mecanismos de desoneração tributária dos sistemas de logística reversa e estudo de impacto econômico da desoneração”, o pacote de tributos indiretos é o que mais onera o setor.

Dependendo do tipo de empresa e atividade – sem fins lucrativos, cooperativas, optantes pelo Simples, empresas de lucro presumido ou lucro real -, os serviços de coleta, triagem e transportes recolhem de 3,65% a 9,25% de PIS-Cofins, tributação federal, 12% de ICMS no transporte) e 17,5% na comercialização, um tributo estadual, e 5% de ISS, um imposto municipal. A tributação ainda pode se repetir em uma ou mais etapas da cadeia, que vai do serviço de coleta, triagem e transporte dos resíduos, que depois passam pela reciclagem e beneficiamento e, por fim, são reprocessados industrialmente.

Dos R$ 2,9 bilhões arrecadados na indústria da reciclagem, R$ 2,8 bilhões são apurados na logística reversa de resíduos pós-consumo com valor econômico, com R$ 1,3 bilhão no segmento de embalagens – papel, papelão, vidro, plástico, alumínio e aço – e R$ 1,5 bilhão nos demais resíduos com os mesmos materiais, mas que não são embalagens.

No caso de resíduos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente – como óleo lubrificante e suas embalagens, pneus, lâmpadas fluorescentes, embalagens de agrotóxicos, pilhas, baterias e eletroeletrônicos -, as empresas têm custos extras para providenciar a destinação correta, bancando o transporte e o tratamento adequado dos resíduos.

Todos esses custos acabam sendo repassados sucessivamente aos preços dentro da cadeia e quem paga a conta final é o consumidor, quando compra um produto novo, afirma Bernard Appy, diretor de políticas públicas e tributação da LCA. Ele cita uma simulação feita com base no estudo: “Suponha que a empresa tenha um custo de R$ 5 para fazer a logística reversa de produtos ‘perigosos’, sendo que a margem entre o preço do fabricante e o preço ao consumidor seja em torno de 56%, considerando os ganhos dos intermediários. Estes R$ 5 vão chegar ao consumidor em R$ 11,8. Da diferença de R$ 6,8, R$ 3,7 são impostos.”

Segundo Appy, o estudo não tem objetivo de apresentar propostas fechadas, mas sugerir alternativas para análise do setor e dos governos. Entre elas, estão a renúncia tributária parcial ou total, o que exigiria um consenso entre os entes federativos. Sem a renúncia total, outras medidas poderiam ser tomadas para aliviar a carga tributária, como a harmonização e ampliação do diferimento de cobrança de ICMS – concedido hoje para diferentes atividades em alguns estados; suspensão de PIS-Cofins; concessão de crédito presumido sobre uso de resíduos sólidos como matéria-prima e incentivos a investimentos e custeio da logística reversa por meio de dedução no imposto de renda.

“Para que esta indústria se desenvolva no Brasil, é fundamental que seja viável economicamente, tenha escala. Hoje, um produto feito com papel reciclado, por exemplo, acaba custando mais caro para o consumidor que o produzido com papel virgem, por causa dos impostos. Isto é perverso, pois desestimula o consumo final”, afirma Monica Messenberg, diretora de relações institucionais da CNI.

Segundo ela, o estudo da LCA mostra que a oneração tributária inviabiliza significativamente os investimentos na área e que a competitividade depende da redução destes custos.

O estudo foi encaminhado ao MDIC e está sendo analisado junto com trabalhos de outras entidades, segundo Comin. Em outubro, um resumo de todo o material foi apresentado ao Comitê Interministerial da PNRS. “Agora faremos um relatório para o Comitê com um diagnóstico da situação e a indicação de diretrizes de como o governo pode atacar a questão.”

O tema também está em análise na Comissão Técnica Permanente do ICMS no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Segundo o coordenador dos secretários no Confaz, José Barroso Tostes Neto, a expectativa é de que este trabalho seja concluído neste mês e entre na pauta do Confaz em dezembro. “Está sendo estudada a formatação de um convênio para uniformizar o tratamento nos Estados. Mas tudo vai depender do resultado desta análise, que vai indicar se realmente há possibilidade de concessão de alguma redução ou benefício.