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Biodiesel de dendê, uma nova esperança

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"Voltado para o biocombustível, o dendê é a oleaginosa mais produtiva que existe. Ganha do girassol, da mamona, da soja. Um hectare com dendê rende 5 toneladas de óleo por ano. O de soja, apenas 500 quilos; mamona, 700" – diz o agrotécnico Claudiomar Silva, ao volante de sua camioneta por estradas de terra entre dezenas de milhares de palmeiras. Claudiomar trabalha há 15 anos na Agropalma, indústria pertencente ao grupo Aloísio Faria, e supervisiona a plantação em 33 mil hectares de terras da própria empresa e 1,7 mil hectares sob responsabilidade de agricultores familiares nos municípios de Moju, Tailândia, Acará e Tomé-Açu, interior do Pará.
Em 24 de outubro último, auge da safra, a Agropalma bateu seu recorde de processamento de dendê: 2,936 mil toneladas de cachos. O fruto colhido é transformado em óleo bruto na unidade de produção de Tailândia e segue para o norte, 200 quilômetros pelo Rio Moju, três vezes por semana, em balsas de 1,150 mil toneladas que levam o dia inteiro para chegar até o cais da moderna unidade de refino da Agropalma na Baía de Guajará, bairro de Tapanã, Belém. Transformado em biodiesel, o óleo é entregue em caminhões ao terminal da Braspetro, a 4 quilômetros no mesmo bairro. Em 2005, a empresa, que desde 1981 explorava todas as demais potencialidades do óleo de palma, inaugurou a refinaria de biodiesel, único subproduto (o ácido graxo) de um elenco até então não aproveitado da oleaginosa.
As 7 milhões de toneladas de biodiesel produzidas anualmente (a R$ 1,85 por litro) têm comprador cativo, a Petrobras, conquistado em leilões de fornecedores promovidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
No limite das terras da Agropalma (com 60 mil hectares de floresta nativa "rigorosamente preservados", segundo Claudiomar) está a experiência da empresa com a agricultura familiar. São três grupos de 50 famílias que plantam em torno de 1,5 mil pés de palma cada uma. Os lotes, de 10 a 11 hectares, ficam um ao lado do outro. A Agropalma cumpre o acertado com o MDA: adquire da agricultura familiar 10% da matéria-prima que utiliza, dá o adubo, as mudas e toda a assistência técnica (as terras pertenciam ao governo do Estado, e a propriedade ainda não foi transferida aos agricultores). Em troca, a empresa garante a exclusividade no fornecimento da produção por 25 anos e tem desoneração (R$ 0,15 por litro) no pagamento de PIS/Pasep e Cofins. O Banco da Amazônia (Basa) repassa o financiamento do Pronaf, com juros de 3% ao ano, carência de três anos e "rebate" de 40% da dívida se for paga até o dia do vencimento.
O primeiro grupo foi formado em 2002, os demais em 2004 e 2005. "O primeiro grupo foi difícil juntar. Só apareceram 49, tivemos que separar pai e filho para completar 50. Poucos acreditavam que ia dar certo", diz Edmilson Ferreira Barros, um que acreditou. Agora, com os dois primeiros grupos já produzindo, a dificuldade para formar o quarto grupo é o excesso de candidatos: "Tem mais de 200", diz Edmilson.
Manuel de Nazaré Almeida do Nascimento, 37 anos, dois filhos, há seis anos plantava mandioca e tinha renda mensal entre R$ 50 e R$ 100 reais. Morava em rancho de madeira numa clareira à beira de um igarapé. No ano passado, segunda safra do dendê que plantou, colheu 22 toneladas de cachos e recebeu líquidos pouco mais de R$ 20 mil. "Tá bom, não tá?", diz ele, modesto. Manuel é o campeão de produtividade entre os agricultores familiares do Projeto Dendê I. Não se mudou para o lote em que produz, mas está construindo casa nova, de alvenaria, ao lado do rancho de madeira, à margem do igarapé.
Ivan Silva, 47 anos, é o campeão de filhos: tem 14. "A vida melhorou só com o salário mínimo que recebi do Pronaf enquanto o dendê crescia. Antes tirava cem (reais) por mês, se muito. Perdi conta das noites que a mulher e a filharada iam dormir sem jantar", diz Ivan, que, no ano passado recebeu R$ 18 mil ao final da safra. "E eu às vezes nem almoçava", diz Raimundo Nonato de Mendonça, 58 anos, 10 filhos. Todos agora têm conta no Basa e consideram uma dádiva o banco reter numa caderneta de poupança compulsória 25% do que ganham. "É uma poupança, mas o banco se garante que o empréstimo vai ser pago", constata Benedita Costa, robusta e esperta agricultora que, com o filho e um novo marido, faz parte do primeiro grupo de plantadores de dendê. Contabilizada pelo próprio grupo, a produção coletiva de 5 mil toneladas em 2006 propiciou para cada família uma renda que oscilou de R$ 15.120 a R$ 20.265.
Quando o presidente Lula visitou a região, em 2005, plantou uma muda de palmeira em frente à escola municipal da localidade de Arauaí, ao lado da estrada de terra aberta e conservada pela Agropalma. Os agricultores ainda esperam que se cumpra a promessa que Lula fez na ocasião: estender a luz elétrica à casa de cada um dentro do programa Luz para Todos. Cumprir a promessa não é tecnicamente difícil. Por sobre a floresta de dendê passam os linhões que levam energia de Tucuruí (a 80 quilômetros em linha reta) até Belém.

Renda garantida por 25 anos: a empresa dá assistência técnica, o Pronaf financia e a empresa compra


A energia, federal, deveria ser "baixada" pela Celpa, estadual, e dependia de solicitação da prefeitura. Desentendimentos políticos – o governo do Estado era do PSDB – deixaram os agricultores à luz de lamparina. "Mas agora a prefeitura é do PMDB, aliada do PT que governa o Estado e que governa o país. Está mais fácil chegar a uma solução", diz Manuel Libório Ferreira dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju (8 mil associados) e um dos poucos agricultores familiares não atraídos pelo dendê.
A palmeira plantada por Lula cresce robusta sob a proteção de um quadrilátero de ripas de madeira. Ainda este ano dará seu primeiro cacho e os agricultores esperam que a luz chegue antes.
"Não me agrada a monocultura, mas não tenho nada contra o dendê. É árvore perene, produz uns 12 cachos por ano, desde o terceiro até 25 ou 30 anos. Pode dar de comer, vestir e educar muitas famílias. Além disso, o dendê ajuda no reflorestamento", diz Libório.
Manuel Libório, cinco anos de estudo, herdou do pai uma propriedade de 32 hectares, onde se produzia mandioca e açaí, como é a tradição da região. "Só dava para a subsistência, vida chinfrim". Agora, com financiamento do Pronaf (R$ 6 mil de investimento; e R$ 3 mil de custeio), Manuel se dedica à fruticultura: banana, mamão (200 pés), pupunha (300 pés), coco, açaí (900 pés), caju, limãozinho e manga-rosa. À sombra das árvores, experimenta o feijão. "Tudo sem queimada, sem agrotóxico, preservando a floresta nativa e a mata ciliar. Estou satisfeito. A agricultura dá lucro", diz ele, para quem tão importante quanto o crédito é a capacitação do agricultor familiar "O crédito não é mais problema, isso está resolvido. Agora é o momento de aprender a produzir mais e melhor".
Manuel Libório é meio poeta: "Se o agricultor familiar tiver assistência técnica e for bem informado, ele vai preservar a natureza, agora que todo mundo fala em aquecimento global. Quem mais que o agricultor familiar tem amor à terra, faz carinho no pé de feijão e dá nome à vaquinha que lhe dá leite?"
A Agropalma não trabalha só com as famílias de agricultores agrupadas junto às suas terras. A 20 quilômetros de distância, no assentamento Calmaria II, fazenda abandonada e invadida há mais de 15 anos, que o Incra legalizou em 1998, dividiu em lotes de 20 a 100 hectares e distribuiu para 400 famílias, cada uma delas reserva seis hectares para o plantio de dendê, com o compromisso de só explorar os espaços já desmatados. O financiamento é do Pronaf e a Agropalma o comprador exclusivo da produção. Aqui a luz elétrica está chegando e já beneficia 40% dos assentados. Os 32 quilômetros de estradas vicinais foram abertos e conservados pelo Incra, e a escola primária está num raio de 1 quilômetro das casas dos assentados. Filhos adolescentes de agricultores freqüentam cursos técnicos de agronomia e agroecologia na cidade de Moju. O Incra, com dinheiro do Ministério das Cidades, financia casa própria para os assentados – quatro cômodos de alvenaria, chão de cimento, no valor de R$ 5 mil, que podem ser reduzidos a R$ 2,5 mil se não houver inadimplência – e subiu de R$ 1,1 mil para R$ 2,4 mil o chamado crédito-apoio, empréstimo para aquisição de ferramentas, arame para cercas e compra de animais de tração para ajudar na lavoura. "Nada é de graça, tudo é pago, mas está melhor do que antes. Há mais sensibilidade", diz Carlos Alberto Dias, o Balsa, 28 anos, agricultor familiar e ativista do sindicato.
Algumas das terras do Calmaria II já não pertencem aos primeiros assentados, que as venderam depois de receber o título de propriedade. "Capitalismo não é isso? Você é livre para dispor de sua propriedade", comenta Rosenilson Ferreira de Carvalho, o Cambito, um agricultor familiar que comprou, em fevereiro, por R$ 22 mil, os 50 hectares em que agora trabalha. Pagou com a terra que já possuía mais para o dentro da mata (32 hectares), acrescida de uma moto e R$ 4 mil em dinheiro. Com razoável conhecimento dos novos métodos de agricultura – trabalhou na Agropalma e está concluindo o curso de técnico agrícola, uma experiência introduzida pelo MEC que permite ao aluno freqüentar a escola na cidade durante 15 dias e trabalhar na lavoura o restante do mês – Rosenildo, com financiamento do Pronaf, pretende dedicar-se à policultura. Já está plantando feijão, maracujá, pimenta do reino, açaí, cupuaçu, mandioquinha, arroz do seco, milho. E vai plantar dendê, é claro.
Esta é a segunda da série de reportagens sobre o financiamento à agricultura familiar. A terceira e última reportagem – o cooperativismo solidário no Paraná – será publicada amanhã.