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Nova geração de empreendedores transforma a periferia brasileira

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Renda em alta e acesso à informação garantem sucesso a pequenos empresários que não tiveram educação formal

Patrícia Cançado

Depois de anos sem descanso, o empresário cearense Afonso Gonçalves tirou dez dias de férias em janeiro. Do seu sítio, no interior de Minas Gerais, ele acompanha o movimento do seu supermercado pela internet, celular e ou pelo sistema interno de TV. Gonçalves, 43 anos, é dono de um supermercado na periferia de São Bernardo do Campo. Há dez anos, era um vendedor ambulante. Nunca sonhei com isso, conta o migrante, que chegou a São Paulo no início dos anos 80 com um par de chinelos de dedo e uma mochila nas costas.

O migrante subiu na vida. Até aí, nada de novo. Mas a história de Gonçalves é reveladora de uma transformação silenciosa na periferia do País. Ele é prova de que o capitalismo também está prosperando onde (quase) não existe banco, Bolsa de Valores ou MBAs. No ano passado, o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial detectou o fenômeno sem querer, ao fazer um estudo encomendado pela Nestlé sobre o consumo em alguns bairros pobres da Grande São Paulo.

Há progressos totalmente fora do discurso político. Essas pessoas são menos dependentes de programas de transferência de renda do que se imagina, afirma o economista Norman Gall, diretor-executivo do instituto. O fim da inflação crônica a partir do Plano Real trouxe uma grande redução da pobreza. Há uma combinação de fatores econômicos e culturais melhorando a qualidade de vida dessas pessoas.

Os pesquisadores do instituto se surpreenderam com o potencial empreendedor em regiões pobres de São Paulo. Descobrimos pessoas que não foram à universidade, mas que são intuitivas, vão atrás de informação e de algum tipo de crédito, mesmo que extra-oficial, para fazer seu negócio crescer, afirma a economista Patrícia Guedes.

O Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo. Tem 17,5 milhões de pequenos negócios, incluindo aí até vendedores ambulantes. Há uma década, esse número era duas vezes menor, estima o diretor-técnico do Sebrae, Luiz Carlos Barboza. O problema é que 68% dos negócios são informais. E essa proporção não mudou muito nos últimos anos, afirma.

Os impostos altos e a burocracia para abrir uma empresa são um desestímulo à formalização. A maioria desses negócios que estão à margem da economia tem faturamento bruto anual de R$ 24 mil.

Os empreendedores retratados nesta reportagem foram informais no estágio inicial. Com muita dificuldade, romperam essa barreira e sofisticaram seus negócios para ir além da subsistência.

O acesso à informação é apontado como um dos principais motores dessa transformação silenciosa. A informação chega com a popularização da internet, o fortalecimento de organizações não-governamentais e igrejas e até mesmo a partir de grandes empresas cada vez mais interessadas em vender para a baixa renda . É a chamada inclusão produtiva. Uma informação, por menor que seja, significa uma grande mudança no padrão de renda, acredita o diretor-técnico do Sebrae, Luiz Carlos Barboza.

RENDA CHINESA

Apesar de o Brasil exibir um dos piores indicadores de desigualdade social e ter experimentado crescimento econômico pífio nos últimos anos, alguns avanços são inegáveis nessa faixa da população. Pelos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), desde 2001, a renda dos 50% mais pobres subiu 2,4% ao ano, enquanto a dos 50% mais ricos caiu 1,4% no mesmo período. São taxas equivalentes ao crescimento da renda chinesa entre 1990 e 2003, um período de fantástica expansão do gigante asiático.

Com a renda crescendo velozmente, essa turma passa a ter acesso a bens, à educação e à tecnologia. Está longe de ser ideal, mas o custo disso não é mais inimaginável como no passado, diz Eduardo Bom Ângelo, presidente da Brasilprev e especialista em empreendedorismo. Essas são ferramentas poderosas para tomar risco, pois já não deixam o processo desses pequenos empresários tão cego. É um círculo virtuoso que começa a ser formado.

Gonçalves, o dono do supermercado, não conhece a expressão, mas sabe melhor do que qualquer economista o efeito dela sobre a sua vida. O empresário prosperou junto com a sua comunidade, que, segundo ele, tem mais dinheiro para comprar produtos supérfluos.

O empresário não recebeu nada de graça. O negócio só foi adiante porque Gonçalves é um empreendedor nato, dono de uma sensibilidade que dificilmente uma grande rede varejista teria para lidar com o consumidor de baixa renda.

Ele é observador, acompanha as movimentações do varejo brasileiro, não descuida da apresentação nas gôndolas, conhece os clientes pelo nome e vez por outra testa os hábitos deles. Não é científico, mas funciona. Ele é do tipo que coloca margarina numa prateleira, fora da geladeira, só para ver se o cliente compra mais. Vende muito mais rápido. O cliente tem preguiça de abrir a geladeira, ensina Gonçalves.