Incoerência na classificação geral do ativo, em face da convergência com as normas internacionais de contabilidade.
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Auditor Tributário do Município de Jaboatão dos Guararapes/PE, atualmente na função de Julgador Tributário da Primeira Instância Administrativa. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Pós-Graduado em Contabilidade e Controladoria de Entidades da Administração Pública -UFPE. Graduado em Ciências Contábeis – UFPE
1. Introdução
A Contabilidade, como o Direito, a Matemática e a Filosofia, está entre as ciências mais antigas criadas pelo Homem. E não é para menos. Desde que o ser humano passa a viver de forma sedentária, isto é, passa a não mais depender exclusivamente daquilo que a natureza fornece de forma gratuita, e sim, do que é fornecido a partir do seu trabalho na agricultura, pecuária, manufatura, industrialização, comércio, entre outras atividades, esse mesmo ser humano passou a acumular riqueza, constituindo seu patrimonio, o que se pode constatar como tendo ocorrido em todos os lugares em que o homem surgiu.
Entretanto, o homem não é igual em todos os lugares. Diversos são os fatores que influenciam o comportamento de todos os seres humanos, como climáticos, tipos de solo, formação cultural, entre tantos outros, o que influenciou, também, a própria Contabilidade. Afinal, como ciência social que é, não poderia ser igual em todas as partes do mundo, apesar do fato de que, conforme a conhecemos hoje, ter tido, em termos de modernidade, um início praticamente único, na Itália, do renascimento comercial, e um desenvolvimento mundial bastante intenso e uniforme, a partir da chamada Escola Americana. Assim, cada país tem suas normas próprias de contabilidade, no atendimento às suas peculiaridades, obviamente que respeitando os seus aspectos mais básicos.
Assim, poderemos ter situações completamente diferentes, em termos de resultado, por exemplo, onde uma empresa com sua sede na Inglaterra, tendo obtido lucro, ao encaminhar suas demonstrações contábeis para outro país, por força de diferenças normativas existentes, esse lucro possa ser configurado como igual, maior, menor, ou, simplesmente, se reverta em situação de prejuízo, o que se configura em uma situação inadmissível, tendo em vista, para fins econômicos e financeiros, a real possibilidade de não existirem mais fronteiras ou, se existirem, quase sempre são situações que não afetam ou não devem afetar significativamente os negócios.
Afinal, grande parte dos negócios é realizada por meio de análise das demonstrações contábeis, quando podemos obter diversos dados e informações a cerca das empresas, como índices de liquidez, índices de rentabilidade, possibilidade de geração de caixa, capacidade de pagamentos, entre muitos outros e, portanto, torna-se excessivamente importante que, ao se analisar uma entidade, tenha-se condições de "ler" adequadamente suas demonstrações e relatórios contábeis, mesmo que a empresa esteja sediada em outro país, tendo como fim a tomada de decisão.
2. As normas de contabilidade
Como ciência, a Contabilidade não poderia deixar de ter suas normas, regras, princípios, que norteiam o seu uso e seu estudo. E, como já falado, cada país terá, obviamente obedecendo aos seus princípios básicos, as normas que regerão esta disciplina, o que ocorre, por exemplo, no Brasil, onde temos o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM e o Banco Central do Brasil – BACEN, que, dentro de suas respectivas competências, constantemente estão editando normas a serem seguidas pelos profissionais da Contabilidade.
No entanto, um mínimo de padronização deve ser adotado, sob pena de não se atender a um dos pressupostos básicos das Demonstrações Contábeis, correspondente à comparabilidade entre empresas, tão necessária para o investidor decidir entre uma e outra, para aplicar seus recursos, o que se pode obter, sem maiores problemas, quando efetuamos a comparação entre empresas que estejam sediadas no mesmo país, mesmo que sejam pertencentes a atividades distintas, como um banco e uma indústria, por exemplo.
Mas, como conseguir a comparabilidade entre empresas que são sediadas em países diferentes, ainda que vizinhos? Afinal, a existência de critérios e práticas contábeis distintos, pode fazer com que os demonstrativos e relatórios contábeis sejam incomparáveis.
No Entanto, com a globalização da economia e a aproximação, ainda que virtual, de todos os investidores, em nível mundial, faz com que haja a necessidade de que os demonstrativos contábeis sejam elaborados com critérios uniformes, gerando informações, também uniformes, tendo como objetivo final a tomada de decisões.
Nestes termos, a Junta de Normas Internacionais de Contabilidade, com sede em Londres, em inglês, International Accounting Standards Board – IASB, em evidente preocupação com esse assunto, emitiu um conjunto de normas de contabilidade, para serem utilizadas em nível mundial, denominado de International Financial Reporting Standards – IFRS, em que procura adaptar as normas internacionais que já existiam, as chamadas International Accounting Standadrs – IAS.
3. A convergência com as normas internacionais
As normas internacionais de contabilidade, em termos de Brasil, começaram a ser introduzidas por meio da Lei Federal nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que alterou, revogou e deu nova redação a inúmeros dispositivos da Lei das S/A, Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, complementada por meio da Lei Federal nº 11.941, de 27 de maio de 2009.
Diversas foram as alterações introduzidas, algumas já questionadas pela Doutrina, a exemplo da eliminação do ativo diferido. No entanto, uma em especial chamou minha atenção e, por isso, identifiquei a necessidade de realizar uma análise mais aprofundada, isto é, a nova classificação do ativo, em dois grandes grupos, conforme podemos verificar no que dispõe o art. 178 da Lei das S/A, com redação dada pela Lei nº 11.941/09:
Art. 178. No balanço, as contas serão classificadas segundo os elementos do patrimônio que registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia.
§ 1º No ativo, as contas serão dispostas em ordem decrescente de grau de liquidez dos elementos nelas registrados, nos seguintes grupos:
I – ativo circulante, e
II – ativo não circulante, composto por ativo realizável a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível.
(…)
No art. 179, da mesma lei, ainda com sua redação original, temos a descrição dos elementos que compõem os grupos do ativo circulante e no ativo realizável a longo prazo, nos seguintes termos:
Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:
I – no ativo circulante: as disponibilidades, os direitos realizáveis no curso do exercício social subseqüente, e as aplicações de recursos em despesas do exercício seguinte;
II – no ativo realizável a longo prazo: os direitos realizáveis após o término do exercício seguinte, assim como os derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas (art. 243), diretores, acionistas ou participantes no lucro da companhia, que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da companhia;
(…)
Em FIPECAFI (2009, p. 129), temos o seguinte conceito para as contas integrantes do ativo realizável a longo prazo, definição que pode ser obtida, com conteúdo bastante idêntico, nos demais livros de contabilidade:
De forma geral, são classificáveis no Realizável a Longo Prazo contas da mesma natureza das do Ativo Circulante que, todavia, tenham sua realização, certa ou provável, após o término do exercício seguinte, o que, normalmente, significa realização num prazo superior a um ano a partir do próprio Balanço.
Ora, unindo o ensinamento da doutrina e o que determina a legislação, vê-se claramente que as contas que compõem, tanto o ativo circulante, como as do realizável a longo prazo são idênticas, têm mesma natureza, diferenciando-se, apenas, em relação aos prazos de realização, podendo, em certas ocasiões, serem representadas pelos mesmos fatos, como nos bancos, que têm valores a receber, no curto e no longo prazos, relativamente a operações de empréstimos e financiamentos.
Veja-se, por exemplo, o que diz o Professor Antônio Lopes de Sá (1995, p. 36), com relação ao realizável:Conjunto de valores que expressam investimentos cuja transformação em dinheiro é relativamente fácil; é a forma intermediária entre os valores numerários e as imobilizações. Embora não sejam numerários podem transformar-se neles sem grandes dificuldades e, aliás, esta é a sua maior tendência. Em tal grupo incluem-se as contas de Mercadorias, Matérias, Produtos, Contas a Receber, Créditos Diversos, Clientes, etc. O Ativo Realizável divide-se em Curto e Longo Prazo, de acordo com o tempo em que os valores se transformam em dinheiro. (grifei)
Neste sentido, estaria coerente uma classificação que identifique os bens e direitos realizáveis, com base em uma situação de curto e de longo prazo? Como primeira resposta, parece-nos que sim, principalmente quando precisamos analisar os índices de liquidez da empresa.
Agora, uma segunda questão: a classificação determinada pela Lei nº 6404/76, com a redação da Lei nº 11.941/09, expressa de forma coerente os conceitos trazidos pela própria Lei das Sociedades Anônimas e pela Doutrina? Parece-me que não.
Ora, veja-se que as contas integrantes do realizável a longo prazo, com a nova classificação determinada pela Lei, estão classificadas junto às contas que integram os grupos de investimentos, imobilizado e intangível, sendo estes, de natureza completamente distinta daquele.
Ora, se verificarmos a natureza das contas de investimentos, imobilizado e intangível, podemos vislumbrar o caráter permanente das contas integrantes desses grupos, o que não ocorre com as contas do Ativo Realizável a Longo Prazo que, apesar de serem, como descrito, de longo prazo, têm prazo certo para a sua realização, ao contrário daqueles.
É certo que há doutrinadores que não acatam o conceito de "permanente" para os bens e direitos que integram os grupos de investimentos, imobilizado e intangível, sob a alegação de que serão todos, um dia, realizáveis em moeda, principalmente pelo fato desses bens e direitos, em sua maior parte, retornarem para o caixa da empresa, seja na forma de custos que compõrão os produtos, seja na forma de despesas, componentes dos preços de venda, ou na forma de simples alienação.
Entretanto, não vejo com esta ótica. Meu entendimento é de que o caráter de permanente que se quiz dar a esses grupos do Ativo, tem relação com a finalidade econômica desses bens e direitos para a empresa, ou seja, enquanto estiverem na situação de que plena utilidade para a entidade, serão, sim, permanentes. Afinal, fazendo uma analogia com o casamento, sempre nos unimos em matrimônio, obviamente com algumas exceções, com a intenção de estar permanentemente ao lado de nossas esposas e maridos para sempre, até que a morte nos separe.
E as características permanentes das contas representativas de bens e direitos do grupo de investimentos, imobilizado e intangível podem ser visualizadas a partir dos conceitos daqueles grupos, a partir da própria Lei nº 6404/76, no seu art. 179:
Art. 179. (…)
(…)
III – em investimentos: as participações permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante e que não se destinam à manutenção da atividade da companhia ou da empresa;
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens;
V – Revogado;
VI – no intangível: os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido.
Veja-se que, apesar de existir, de forma expressa, o caráter de permanente, apenas para as contas representativas de participações em outras empresas, no grupo de investimentos, para o imobilizado e intangível temos a presença intrínseca desta natureza, quando relacionamos seu uso com as finalidades da companhia, além da interpretação sistemática com Princípio Contábil da Continuidade.
Senão, vejamos o magistério do Professor José Carlos Marion (2009, p. 69), quando discorre especificamente sobre os demais itens do Não Circulante, isto é, investimentos, imobilizado e intangível:
Pela denominação Permanente, podemos entender seu conteúdo: são itens que não se destinam à venda; seus valores não são alterados frequentemente; não há uma conotação de giro (movimento).
São bens e direitos de vida útil longa. A empresa utiliza o Permanente, praticamente, como "meio de atingir seus objetivos sociais", ou para renda.
Afinal, se pudéssemos negar o caráter de permanente dos bens e direitos integrantes dos grupos de investimento, imobilizado e intangível, apenas pelo fato de serem, um dia, realizáveis em moeda, não haveria porque aceitar a Continuidade como princípio válido, porque a empresa, um dia, irá fechar, por qualquer que seja o motivo.
Portanto, restam claras as diferenças entre o Realizável a Longo Prazo e os demais grupos de contas constantes do Ativo Não Circulante, grupo este criado pela Lei nº 11.941/09, tendo como motivação a convergência com normas internacionais de contabilidade, ao que me parece, pelo simples fato de representarem, todos, bens e direitos realizáveis em período superior a 1 (um) exercício social.
E essas diferenças, nos par ao que me parece, é reforçada, quando destacamos no texto do inciso III do art. 179, a parte em que este determina que serão classificados como investimentos, quaisquer direitos não classificáveis no ativo circulante, o que podemos concluir, por analogia, também não classificáveis no ativo realizável a longo prazo, já que, conforme já vimos acima, estes referem-se a bens e direitos que poderiam estar classificados no circulante, mas, pelo fato dos seus prazos de realização, estarão contabilizados no realizável a longo prazo.
4. Conclusão
Como visto, a classificação geral do ativo, com apenas dois grupos, circulante e não circulante, onde, neste, são contabilizados os itens do ativo realizável a longo prazo, juntamente com as contas integrantes do antigo ativo permanente, não me parece ter o condão de demonstrar, com clareza, a classificação das contas de bens e direitos integrantes dos diversos grupos formadores do conjunto das aplicações dos recursos.
Afinal, se a Contabilidade tem o objetivo de demonstrar adequadamente a posição econômica, financeira e patrimonial da entidade, o ponto de partida tem relação com a organização de todos os elementos necessários para a consecução deste objetivo e, portanto, tudo passa, inicialmente, pela organização adequada de todas as contas, ou seja, classificadas em seu devido local.
Neste sentido, como sugestão para uma melhor visualização das contas do ativo, poder-se-ia adotar uma classificação semelhante a que é dada ao conjunto das origens dos recursos, conforme disposto no § 2º do art. 178 da Lei nº 6404/76, com redação fornecida pela Lei nº 11.941/09:
Art. 178. (…)
(…)
§ 2º No passivo, as contas serão classificadas nos seguintes grupos:
I – passivo circulante;
II – passivo não circulante
III – patrimônio líquido, (…).
Desta forma, o ativo teria, na minha opinião, a seguinte configuração:
a) Ativo realizável a curto prazo, composto das contas representativas dos bens e direitos realizáveis no prazo de até 1 (um) ano, após a data de encerramento do balanço;
b) Ativo realizável a longo prazo; composto das contas representativas dos bens e direitos semelhantes aos classificados no curto prazo, com a ressalva de que serão realizados a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao do encerramento do balanço; e
c) Ativo permanente (ou operacional, ou das operações sociais), composto das contas representativas dos investimentos, do imobilizado e intangível, nos termos da legislação atual.
Referências
Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI. Manual de contabilidade das sociedades por ações: aplicável às demais sociedades. 7 ed. 6 reimp. – São Paulo: Atlas, 2009.
MARION, José Carlos. Contabilidade empresarial. 15. ed. Atualizada conforme Lei nº 11.638/07, MP nº 449/08 e Lei nº 11.941/09. – São Paulo: Atlas, 2009.
SÁ, Antônio Lopes de e SÁ, M. Lopes de. Dicionário de contabilidade. 9 ed. rev. e ampl. – São Paulo: Atlas, 1995.