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Restituição do ICMS pago em regime de substituição tributária

Publicado em:

Bruno Barbosa Dib
Advogado, Pós-graduando em Direito e Processo Tributário pela UCG-GO (Universidade Católica de Goiás)
 
Jesuino Barbosa Neto
Contador, Advogado e Pós-graduando em Direito e Processo Tributário pela UCG-GO (Universidade Católica de Goiás)

Introdução

O presente artigo objetiva analisar à luz da doutrina a decisão proferida na ADI 1.851/AL que proibiu a restituição do ICMS – imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação – pago a maior quando o valor da base real for menos que a presumida. Buscou-se, primeiramente, situar o leitor, pela rápida análise do instituto da substituição tributária para, só então, analisar a referida decisão a luz da doutrina.

1. Responsabilidade e substituição tributária.

Os entes políticos exercem sua competência tributária por lei (Princípio da Legalidade), atribuindo a determinadas situações ocorridas no mundo dos fatos o efeito de gerar obrigações tributárias. Da subsunção dos fatos, atos e negócios jurídicos à hipótese de incidência descrita na norma nasce a obrigação de pagar determinado tributo – obrigação principal, e de emitir nota fiscal, prestar declaração, facultar o acesso dos auditores fiscais aos livros contábeis – obrigações acessórias.

Os sujeitos passivos são, portanto, as pessoas colocadas no pólo passivo da obrigação tributária, a quem a norma cogente impõe as obrigações tributárias principal, passíveis de serem cobrados e executados em caso de inadimplemento, e acessórias, de fazer, deixar de fazer ou tolerar, em benefício da atividade tributária.

O Código Tributário Nacional (01) discrimina em seu art. 121 os sujeitos passivos da obrigação tributária em contribuinte e responsável:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Contribuinte é aquele que deve postar-se no pólo passivo da obrigação tributária pela simples análise dos elementos da antecedente normativa. Este guarda relação estreita com a situação que constitui o tributo. É aquele cuja capacidade contributiva é objeto de tributação ou então o que demanda o serviço público.

Responsável é aquele a quem a lei obriga ao pagamento do tributo ou da penalidade. Segundo Leandro Paulsen (02) a responsabilidade tributária pode ser classificada, quantos aos efeitos, em responsabilidade solidária, pessoal, subsidiária e por substituição. Quanto à última, ensina o afamado autor: "quando a obrigação surge diretamente para o responsável, a quem cabe recolher o tributo devido pelo contribuinte, substituindo-o na apuração e no cumprimento da obrigação…"

Responsabilidade por substituição tributária, pois, pode ser bem entendida como espécie de responsabilidade tributária em que se atribui à pessoa diversa (substituto) do contribuinte (substituído) a obrigação de recolher o tributo, muito embora com recursos oriundos do segundo, com o objetivo de aumentar a arrecadação, diminuindo a inadimplência.

A doutrina costuma classificar a substituição tributária em duas espécies. Na substituição para trás há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo a obrigação para o destinatário final do produto ou serviço. Já na substituição para frente há a antecipação do pagamento do tributo, caso em que há a presunção da base de cálculo, visto que esta ainda não ocorreu.

O art. 150, § 7º da Carta Cidadã (03) assegura, para os casos em que não se realize o fato gerador presumido, a imediata e preferencial restituição ao contribuinte da quantia paga sobre a base de cálculo presumida. Neste diapasão, debateu-se, durante longo tempo, a possibilidade de restituição do pagamento antecipado de tributo – substituição para frente -, no caso da base de cálculo presumida ser superior à efetiva, o que culminou, inclusive, com a proposição de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade em que se questionou a possibilidade de restituição do ICMS pago antecipadamente, no caso em que a base de cálculo da operação fosse inferior à presumida (04).

2. A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851-4/AL frente à doutrina.

O convênio ICMS 13, de 21 de março de 1997 impediu a restituição do ICMS quando a operação ou prestação realizar-se em valor inferior ao presumido no pagamento efetuado pelo substituto tributário. É o que prevê a sua clausula segunda:

Clausula segunda – Não caberá restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subseqüente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.

A Confederação Nacional do Comércio (CNC) propôs então Ação Direta de Inconstitucionalidade alegando, em apertada síntese, a inconstitucionalidade da cláusula segunda do convênio ICMS 13/97 acima descrito, e dos § 6º e 7º do art. 498 do Decreto 35.245/91. A ação foi conhecida em parte, apenas com relação à cláusula segunda do citado convênio e no mérito, julgada improcedente, por maioria, com a conseqüente declaração de constitucionalidade da já citada cláusula.

No voto vencedor o e. Ministro Relator Ilmar Galvão, assevera, em síntese, que o fato gerador presumido não seria óbice à exigência antecipada do tributo. Salienta que do contrário, o próprio instituto da substituição tributária consagrado na Constituição Federal estaria prejudicado assim como chega a afirmar que com o advento da Emenda Constitucional nº 3 de 93 exigiu-se lei complementar, que regulamentasse todo o instituto da substituição tributária, inclusive a mencionada restituição, erigida à condição de constitucional justamente pela emenda, o que foi feito com a edição da Lei Kandir (LC 87/96).

Alega, igualmente, que embora presumido, o fato gerador é definitivo, só cabendo a restituição do imposto pago no caso do mesmo não ocorrer. Afasta a existência de confisco, de empréstimo compulsório simulado e a necessidade de ocorrência prévia de fato gerador para cobrança de tributo sob o argumento de que a substituição tributária para frente encontra seu requisito de validade no próprio texto constitucional, além de citar jurisprudência daquele tribunal máximo. Por fim, ressalta o objetivo de incremento arrecadatório do instituto para validar a possibilidade de cobrança do imposto sobre fato gerador presumido e afastar a possibilidade de restituição quando aferida diferença entre a base de cálculo presumida e a real.

Dos votos dissidentes, merece destaque o proferido pelo e. Ministro Marco Aurélio de Mello, então presidente do STF. Nele o magistrado chama atenção para o mens legis constituinte. Defende interpretação sistêmica do texto magno, para considerar inconstitucional a cláusula segunda já transcrita.

Ao fundamentar seu voto aduz que o disposto no art. 150, § 7º da CF serve apenas para assegurar que a restituição seja imediata e preferencial. Sustenta que a base de cálculo consubstancia-se na verve econômica do fato gerador, defendendo, portanto, que deveria ser considerada a base de cálculo real, e não a presumida. Afirma ainda que a interpretação pretendida pelo e. Relator levaria ao enriquecimento ilícito do Estado.

Diante deste quadro é que a Doutrina vem se manifestando sobre o assunto. Leandro Paulsen (05), ao comentar o instituto da substituição tributária para frente, admite ser possível, com esteio no art. 150, § 7º da Carta Magna, não só a restituição de todo imposto pago, no caso do fato gerador presumido não se consumar como também do pago a maior, quando verificada diferença entre a base de cálculo presumida e a real:

De modo a que não seja tributada capacidade contributiva inexistente, deve também ser assegurada a restituição do quanto tenha sido pago sobre valores superiores ao da base de cálculo efetiva, o que, contudo, ainda não foi reconhecido pelo STF.

No mesmo sentido, é o entendimento esposado por José Jayme de Macedo Oliveira (06) ao enfrentar o regime substituição tributária do ICMS, in verbis:

Tal regime ganhou contornos novos em face do § 7º do art. 150 da Lei Maior (EC/3/93), com base em que se pode afirmar que consiste ele no recolhimento antecipado do imposto cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, daí a figura do fato gerador presumido, da restituição do imposto pago na hipótese de sua não-ocorrência e da atribuição à lei ordinária para dispor sobre tal sistemática. Urge advertir que no tocante ao ICMS, esta última lei é de ser complementar, diante do constante do art. 155 §2º, XII, b, da CF.

Neste ponto, mister ressaltar que, como advertido pelo autor, a sistemática da restituição do imposto pago sobre base de cálculo presumida, em que não for consumado o fato gerador, depende de Lei Complementar que a regulamente, por expressa disposição constitucional, art. 155 § 2º, XII, b, da Carta Magna.

A cabeça do art. 10, da Lei Kandir (07), repete a regra contida no art. 150 § 7º do Constituição Federal, já os incisos, I e II possuem maior grau de especificidade, determinando em que condições se dará a restituição, sem, contudo resolver a celeuma se a substituição se daria apenas no caso da não ocorrência do fato gerador ou se também no caso de a base de cálculo real ser menos do que a presumida, senão vejamos:

Art. 10, É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.
§ 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo.
§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.

Quanto à auto-aplicabilidade do art. 150 § 7º da CF, Sacha Calmon Navarro Coelho (08) entende desnecessária a edição de Lei Complementar para a regulamentação da matéria:

Os contribuintes independem da LC 87/96 e das legislações estaduais para reaver o que pagaram indevidamente (…). É que (in casu) o fundamento do direito é constitucional, e a Constituição, na espécie, é auto-aplicável ou, como dizem os americanos, self-enforcing.

De fato, fosse considerada necessária a edição de lei complementar para regular o art. 150 § 7º da CF, estar-se-ia admitindo, por via obliqua, que os recolhimentos efetuados no interregno de tempo entre a edição da EC 3/93 e da Lei Kandir, estão todos maculados.

Por derradeiro, indispensável anotar que atualmente encontram-se pendentes de julgamento no STF duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, a ADI 2.777/SP e a ADI 2.765/PE, buscando a declaração de inconstitucionalidade de normas estaduais que determinam a restituição do imposto pago a maior no regime de substituição tributária.

Conclusão

A decisão proferida pelo STF declarou, por maioria, a constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio ICMS 13/97. Sustentou o voto vencedor a impossibilidade de restituição do imposto pago no caso da operação ter sido realizada em valor inferior à presumida. Aduziu, em síntese, que art. 150, § 7º da CF carece de auto-aplicabilidade, necessitando de lei complementar que o regulasse. O Min. Marco Aurélio Mello defendeu em voto dissidente a interpretação sistêmica do texto constitucional para admitir a possibilidade da restituição, no que, de acordo com a doutrina mais autorizada sobre o tema, andou bem. No momento, vislumbra-se a possibilidade de corrigir-se a impropriedade, mediante o julgamento das ADIs 2.777/SP e 2.765/PE, o que poderia gerar um efeito em cascata nos outros estados da federação.

Bibliografia

AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, 9ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2003.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, 8ª Edição.

OLIVEIRA, José Jayme de Macedo, Impostos Estaduais, São Paulo, Editora Saraiva, 2009.

PAULSEN, Leandro, Curso de Direito Tributário, 2ª edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2008.

Notas

(1) República Federativa do Brasil, Lei 5.172/66, Código Tributário Nacional. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

(2) Leandro Paulsen, Curso de Direito Tributário, 2ª edição, Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 152.

(3) Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(4) § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

(5) ADI n2.675/PE e a ADI 1851/AL.

(6) Paulsen, p. 154, op cit.

(7) José Jayme de Macedo Oliveira, Impostos Estaduais, São Paulo, Editora Saraiva, 2009, p. 164.

(8) República Federativa do Brasil, Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências.

(9) Sacha Calmon Navarro Coelho, Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, 8ª Edição, pág. 433.