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Regime Tributário de Transição e Neutralidade Tributária da Lei nº 11.638/07 após o Advento da Medida Provisória 449/08

Publicado em:


Edmar Oliveira Andrade Filho
Advogado e Parecerista em São Paulo, Sócio de Andrade e Ramalho Advogados Associados, Doutor em Direito, Contador e autor do livro "Imposto de Renda das Empresas" 5. ed. Atlas. 2008

. Introdução

Acaba de ser editada a Medida Provisória n. 449, que – nos artigos 15 a 22 – dispõe sobre o RTT, Regime Tributário de Transição, cuja finalidade é permitir a neutralidade tributária dos efeitos contábeis decorrentes da Lei n. 11.638/07 e das normas editadas pela CVM com o escopo de alinhar o ordenamento normativo brasileiro sobre contabilidade aos princípios e regras adotados em outros paises. Essa neutralidade alcança, também, as novas disposições legais de caráter contábil contidas nos artigos 36 e 37 da MP 449.

2. O Regime Tributário Transitório

O artigo 15 da Medida Provisória 449 instituiu o RTT – Regime Tributário de Transição, que – feitas as contas – permite a aplicação da legislação tributária em vigor em 31 de dezembro de 2007, com alguns ajustes. De acordo com o caput do artigo 15 da MP 449/08, o RTT deve ser aplicado para determinação do lucro real e o artigo 22 estende essa possibilidade também para apuração do lucro presumido (artigo 20), da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) e também para contribuições ao PIS/PASEP e COFINS.

Dois preceitos formam o "coração" do RTT. O primeiro deles é o artigo 16 da MP 449. De acordo com ele, as alterações introduzidas pela Lei 11.638, por ato da CVM, ou em decorrência da aplicação dos artigos 36 e 37 da MP 449, que modifiquem o critério do reconhecimento de receitas, custos, e despesas computadas na apuração do lucro líquido não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007.

Esse preceito normativo faz menção aos critérios de reconhecimentos de receitas, custos e despesas, numa perspectiva de comparação, tomando-se os critérios vigentes antes do advento da Lei 11.638 (e os dos demais preceitos mencionados no artigo 16) em confronto com os critérios estabelecidos nas normas vigentes até 31 de dezembro de 2007. Todavia, o enunciado não indica o que deve ser entendido por "critério de reconhecimento", de modo que a sua significação deve ser encontrada no ordenamento jurídico vigente.

De um modo geral, dois são os critérios ordinários de reconhecimento de receitas, custos e despesas: o regime de caixa e o regime de competência. Esses regimes dizem respeito ao aspecto temporal da imputação – ao resultado do período – de uma cifra qualificada como receita, custo ou despesa. Assim, por exemplo, a norma abrangeria os resultados decorrentes da venda de bens imóveis a prazo que devem – pela Lei societária – ser imputados ao resultado pelo regime de competência no momento em que a venda é efetivada ao passo que a lei tributária admite o registro em resultado, para fins de apuração do lucro real, de acordo com o recebimento do preço (regime de caixa).

Dúvidas, porém, podem surgir nos casos em a Lei n. 11.638 impõe uma mudança de critério de mensuração de ativos e passivos com efeitos imediatos no resultado. Tal é o caso, por exemplo, da baixa de certos ativos permanentes (imobilizado, intangível e diferido) por imparidade: em tais circunstâncias, o novo critério resulta na imputação de uma perda que – sob a égide da lei anterior – só existiria em caso de alienação ou baixa definitiva dos referidos bens. Neste caso, parece ser possível considerar que há uma mudança de critério de reconhecimento de despesa que passa a existir antes da alienação ou baixa do bem.

Quando a lei diz que da aplicação dos novos critérios de reconhecimento de receitas, custos e despesas, não advirão efeitos tributários, está a dizer que os efeitos no resultado relativos às receitas não são tributáveis e os efeitos relativos aos custos e despesas não são dedutíveis, mesmo se o fossem em condições normais. Essa conseqüência, no entanto, tem caráter apenas temporal, posto que a partir do momento em que a receita tornar-se efetiva de acordo com o quadro normativo anterior, vigente até 31.12.2007, ela será normalmente tributada salvo se houver regra determinando a não-incidência tributária. O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação às despesas e custos.

Enfim, esse preceito impõe uma espécie de "congelamento" do ordenamento jurídico tributário vigente em 31 de dezembro de 2007, de modo que as receitas, custos e despesas "criados" pelo conjunto de normas acima mencionado, não têm efeito tributário enquanto em vigor o RTT. Essa neutralidade, em verdade, tem caráter temporário, como acima exposto.

O outro artigo importante no regime do RTT é o de número 17. Esse artigo dispõe sobre os ajustes que devem ser feitos pelas pessoas jurídicas que aderirem ao RTT nos casos de diversidade de critério contábil estabelecido entre as normas societárias e as regras de direito tributário.

De acordo com o enunciado do citado artigo, todos os fatos contábeis serão qualificados e registrados de acordo com as normas de direito societário (Lei 6.404/76; Lei 11.638/07; MP 449/08 e atos normativos editados pela CVM ou outro órgão). No caso de haver norma de direito tributário que disponha sobre forma de contabilização (qualificação dos fatos e registro) diferente do que estiver estabelecido nas normas de direito societário, serão feitos ajustes no LALUR, mediante ajustes específicos, ao lado dos ajustes requeridos para efeito de determinar a base de cálculo do IRPJ e controlar valores que interferem na referida apuração em mais de um período-base. Esses ajustes específicos são aqueles de caráter exclusivamente contábil, que serão considerados como adições ou deduções para determinação do resultado (lucro ou prejuízo) a partir do qual será calculado o lucro real.

A lei é omissa a respeito da possibilidade ou não de o contribuinte vir a realizar ajustes contábeis parciais. Essa questão interessa particularmente aos contribuintes que tenham de fazer ajustes positivos e, ao mesmo tempo, tenham perdas que se transformariam em prejuízo fiscal. Nestes casos, a adoção do RTT seria apenas parcial, o que parece ser vedado pela regra do artigo 15 da MP 449.

3. Opção E Duração Do RTT

O RTT foi concebido para ter duração efêmera até que seja editada uma Lei que discipline os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis estabelecidos pela Lei n. 11.638/07 e por atos normativos da CVM que disponham sobre a adoção, no Brasil, de métodos e critérios contábeis adotados em outros países.

A opção pelo RTT – convém relembrar – opera apenas para fins tributários. Para fins contábeis, a Lei n. 11.638 (assim como as modificações introduzidas pela MP 449, nos artigos 36 e 37) deve ser adotada integralmente. Em tais circunstâncias, para os contribuintes que vierem a optar pelo RTT, os ajustes necessários a expurgar os efeitos tributários decorrentes das novas práticas contábeis serão efetuados no LALUR, na forma do artigo 17 da citada MP. A MP modifica o parágrafo 2º do artigo 177 da Lei n. 6.404/76 (que havia sido alterado pela Lei n. 11.638/07), de modo que desaparece (ao menos por enquanto) a possibilidade de criação de um LALUC ou algo semelhante.

A transitoriedade do RTT é fixada, inicialmente, para os anos de 2008 e 2009, ou até que outra lei venha a ser editada para permitir a neutralidade fiscal prevista na Lei 11.638/07 e reforçada (ao menos no campo das intenções) pelo parágrafo 1º do artigo 15 da MP 449. Consoante se depreende da leitura do enunciado do parágrafo 3º do artigo 3º da Medida Provisória 449, se até o dia 31 de dezembro de 2009 não for editada uma lei com o propósito de regular a mencionada neutralidade fiscal, o RTT passa a ser obrigatório a partir do ano-calendário de 2010 para todas as pessoas jurídicas e em relação ao IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS.

O contribuinte que optar pelo RTT em 2008 fica obrigado a adotá-lo em 2009. Por outro lado, o contribuinte que não optar pelo RTT para 2008 fica impedido de fazê-lo para o ano 2009, porquanto o item I do parágrafo 2º do artigo 15 dispõe que: "a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009, vedada a aplicação do regime em um único ano-calendário".

A opção será manifestada, de forma de irretratável, na DIPJ de 2009 e em relação ao ano de 2008, deve ser aplicado para todos os trimestres, inclusive os já encerrados. Neste último caso, se houver sido pago tributo a maior, o valor excedente poderá ser compensado; por outro lado, se houver algo a ser pago, este (o pagamento) deverá ocorrer até o último dia útil do mês de janeiro de 2009, sem acréscimos.

4. Alternativa ao RTT

Se a Lei diz que o RTT é uma opção, infere-se que o contribuinte pode adotar, para fins fiscais, todos os efeitos normais decorrentes das novas disposições de caráter contábil introduzidas pela Lei n. 11.638/07; por atos da CVM ou outro órgão; e, pelos artigos 36 e 37 da MP 449. Esse regime alternativo, na falta de melhor "nome de batismo" pode ser considerado Regime Tributário Definitivo – RTD. Do ponto de vista pragmático, o contribuinte que não vier a aderir ao RTT, de certa forma, estaria renunciando à neutralidade tributária estabelecida pela Lei n. 11.638.

Assim, se nos anos de 2008 e 2009 a adoção do RTT é uma faculdade, segue-se que haverá dois grupos de contribuintes:

(a) aqueles que, sujeitos à Lei n. 11.638/07, vierem a fazer a opção pelo RTT; e,

(b) aqueles que estiverem sujeitos à Lei n. 11.638/07 e que venham a considerar, já a partir de 2008, os efeitos fiscais decorrentes da adoção dos novos critérios contábeis estipulados pela Lei n. 11.638/07, pelos artigos 37 a 39 da MP 449, e por atos normativos da CVM (ou outro órgão) com base na competência legal que lhe foi atribuída pela referida Lei.

A escolha, em qualquer caso, deve ser pautada por um critério de prudência e de inteligência tributária, posto que alguns contribuintes podem vir a ganhar e outros a perder com a adoção de um ou de outro regime de tributação. Esse eventual ganho ou perda é unicamente de caráter financeiro, o que não é desprezível em tempos de crise.

O problema da escolha está na falta de definição acerca da qualificação jurídica dos efeitos tributários de certas cifras que passam a integrar o resultado em virtude das novas disposições introduzidas pela Lei n. 11.638/97; tal é o caso, por exemplo, dos efeitos decorrentes dos "ajustes a valor presente de ativos e passivos" que devem ser imediatamente imputados ao resultado. De minha parte considero que os valores registrados a débito do resultado são despesas incorridas; há, no entanto, quem diga que se trata de mera provisão. As conseqüências são conhecidas: neste caso, a despesa incorrida é imediatamente dedutível e provisão, enquanto tal, não o é.

A MP 449 é absolutamente omissa respeito do procedimento formal de registro em livros contábeis ou fiscais que deve ser adotado pelo contribuinte que não aderir ao RTT. Neste caso, a Lei n. 11.638 e os demais atos normativos produzem, para fins fiscais, os efeitos ordinários estabelecidos pela legislação tributária. Assim sendo, os efeitos decorrentes da diferença de critérios de reconhecimento de receitas, custos ou despesas, deverão produzir as conseqüências que lhes são próprias, segundo a natureza de cada um, de modo que toda receita será normalmente tributada, salvo se houver norma da legislação tributária em sentido contrário (estabelecendo uma hipótese de não-incidência ou tributação com base no regime de caixa) ou se ela não puder ser considerada entre os acréscimos patrimoniais disponíveis, referidos nos artigos 43 e 44 do CTN. De igual modo, os custos e despesas seriam dedutíveis ou indedutíveis de acordo com as normas gerais aplicáveis; assim, por exemplo, uma provisão seria considerada não-dedutível enquanto não se transformar em despesa incorrida e assim por diante.

Em se tratando de diferença de critérios de qualificação e de registro de fatos é necessário um cuidado especial. Já afirmei em outro lugar (no livro Efeitos Tributários da Lei n. 11.638/07. 1. ed. São Paulo, 2008) que existem situações em que a lei tributária determina uma forma de contabilização que é absolutamente contraria ao que estipula o direito societário sem que uma possa excluir a outra em razão da aplicação do princípio da especialidade. Tal é caso, por exemplo, das parcelas de um contrato de arrendamento mercantil de um bem que – por imperativo do artigo 179, IV, da Lei 6.404 (modificado pela Lei 11.638) deva ser registrado no Ativo, enquanto que a legislação tributária permite a dedução dos valores pagos como despesa.

Em tais circunstâncias, para que seja respeitado o princípio da especialidade, adotar-se-ia o critério contábil estipulado na lei societária com ajustes contábeis ou extra-contábeis para fins de apuração do lucro real. O artigo 38 da MP 449 dá a solução de como esta e outras questões devem ser tratadas. Assim, ao dar nova redação ao artigo 8º do Decreto-lei n. 1.598/77, o citado preceito do artigo 38 da MP 449, cogita da criação de um livro contábil auxiliar ou, ainda, da utilização do próprio LALUR ou de outro que vier a ser adotado. Neste último caso, (de ajustes no LALUR) a mecânica de registro seria semelhante à estabelecida no artigo 17 da MP 449, aplicável aos contribuintes que aderirem ao RTT. O citado artigo 38 outorga poderes e deveres à Receita Federal do Brasil para estabelecer as regras necessárias.

5. Subvenções para Investimentos, Doações e Prêmios na Emissão de Debêntures

Para os contribuintes que aderirem ao RTT, os artigos 18 e 19 da MP 449 contêm regras sobre as subvenções para investimentos (inclusive sob a forma de incentivos fiscais), doações feitas pelo Poder Público e sobre os valores recebidos a título de prêmio na emissão de debêntures que até 31 de dezembro de 2007 eram qualificados e registrados como Reserva, no Patrimônio Líquido.

Estes valores, em resumo, fluirão para o resultado do exercício constituirão Reservas de Lucros e não serão tributados (serão excluídos na determinação do lucro real). O parágrafo único do artigo 18 d MP 449 estabelece que os valores registrados em Reserva relativos às doações do Poder Público e às subvenções serão tributados caso haja distribuição como lucro ou a título de restituição de capital aos sócios ou acionistas. A tributação, no caso da restituição de capital ocorrerá se: (a) esta vier a ocorrer no prazo de até cinco anos após a capitalização do valor da Reserva; ou, (b) houver anterior redução do capital para restituição aos sócios ou acionistas nos anos anteriores ao da capitalização da Reserva. Igual, conseqüência está prevista para a Reserva formada pelo valor recebido a título de prêmio na emissão de debêntures.

A utilização da Reserva para aumento de capital não implica na tributação do valor, assim como não haverá tributação nos casos de utilização da Reserva para absorção de prejuízos contábeis e de redução do capital em virtude de cisão e de absorção de perdas permanentes (prejuízos).

Os artigos 18 e 19 da MP 449 fazem menção, unicamente, aos procedimentos que devem ser adotados para apuração do lucro real, enquanto que o parágrafo único do artigo 21 diz que podem ser excluídos, para determinação da base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS, os valores imputados aos resultados em virtude do recebimento de doações feitas pelo Poder Público e de prêmios na emissão de debêntures. Nada é dito a respeito da CSLL e nem está admitida a exclusão, fins cálculo do PIS/PASEP e COFINS, do valor das subvenções para investimentos. Portanto, feitas as contas, valores que só passaram a existir com o advento da Lei n. 11.638 são normalmente tributados, mesmo no regime do RTT, quebrando-se, deste modo, o propalado princípio da neutralidade tributária da Lei n. 11.638. Nesse específico caso, nem a invocação do artigo 38 do Decreto-lei n. 1.598/77 pode ser feita porquanto este não trata de CSLL, nem de PIS/PASEP e COFINS.

Os contribuintes que não aderirem ao RTT não podem agir da forma acima mencionada (separação em conta de Reserva e exclusão da tributação), porquanto os artigos 18 e 19 da MP 449 fazem expressa menção às situações alcançadas pelos artigos 15 a 17, que dizem respeito – unicamente – ao RTT.

Para esses contribuintes permanece a questão da vigência ou não do artigo 38 do Decreto-lei n. 1.598/77, Na minha concepção, este preceito é vigente e eficaz e cria um regime jurídico específico para as citadas parcelas (doações do Poder Público, subvenções para investimentos e prêmio na emissão de debêntures), com destino próprio e sob o império de regra de não incidência explicita. Em face do princípio da especialidade, essas regras não foram revogadas pela Lei n. 11.638; a revogação existe apenas para os contribuintes sujeitos ao RTT, posto que os artigos 18 e 19 – para esse grupo específico – contém disposições novas que esgotam todas as questões tributárias, de modo que são consideradas leis posteriores que revogam as anteriores.

Edmar Oliveira Andrade Filho*