Juizado Especial Cível: Opção para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
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Roberto Brocanelli Corona
Advogado; Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP; Professor Assistente Doutor de Direito Processual Civil da Universidade Estadual Paulista-Unesp-Franca-SP e Unip/Ribeirão Preto-SP
A partir da vigência da Lei Complementar 123/2006, as microempresas e empresas de pequeno porte passam a contar com a opção de prestação jurisdicional perante o juízo comum ou juizado especial.(1)
O artigo 3º, inciso I e II, dessa lei, repete praticamente o texto do art. 2º da revogada Lei 9.317, de 5 de dezembro de 1996, ao definir microempresa e empresa de pequeno porte.
A Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, não prevê expressamente, como faz o art. 6º, inciso I, da Lei 10.259/2001 que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, a permissão de ser partes como autores as microempresas e empresas de pequeno porte.
No entanto, as microempresas pode ser autoras no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, desde que instruam o pedido com documento de sua condição. Assim dispõe o enunciado 47 do fórum permanente de juízes coordenadores dos juizados especiais cíveis e criminais do Brasil. (2)
Em sentido contrário, o enunciado 49 do referido fórum veda a possibilidade de as empresas de pequeno serem autoras nos Juizados Especiais Estaduais. (3)
O art. 74 põe fim à dicotomia existente entre as Lei nº 9.099/95 e 10.259/2001 e a vedação contida no enunciado 49, prevendo expressamente que as microempresas e as empresas de pequeno porte passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, compreendendo o Juizado Cível Estadual e Federal.
O art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, garantindo a todos indistintamente o acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito.
No entanto, a competência dos Juizados Especiais é para julgamento de causas cíveis de menor complexidade e cujo valor não exceda quarenta vezes o salário mínimo.
A lei não definiu o que é causa de menor complexidade, vinculando-as entre as causas enumeradas nos incisos I a IV do art. 3º, da Lei 9.099/95. (4)
Entende os professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery ser irrelevante a complexidade da causa na fixação da competência dos juizados especiais, pois qualquer das hipóteses previstas nos incisos do art. 3º é suficiente para fixar sua competência. (5)
Destacamos a posição contrária de Joel Dias Figueira Júnior ao afirmar que, se a causa não se enquadrar no requisito constitucional da menor complexidade, citando como exemplo a prova pericial complexa, a solução está em declarar-se incompetente o juízo de ofício ou a requerimento da parte, extinguindo-se o processo nos termos do art. 51, inciso II, e remeter as partes para o juízo comum. (6)
Esse entendimento é lamentavelmente verificado nos julgamentos proferidos pelos juizados especiais estaduais e referendado pelas turmas recursais, notadamente nas hipóteses de prova pericial complexa, tornando-se inútil e ineficiente o processo nos Juizados Especiais. (7)
Ante a falha legislativa em definir causas de menor complexidade e o critério de fixação da competência dos Juizados Especiais estabelecido pelo art. 3º da Lei 9.099/95, convém ao proponente examinar, antes de ingressar com a demanda, se haverá ou não necessidade da realização da prova pericial. Em caso positivo, deverá optar pelo juízo comum, pois caso contrário correrá risco, na hipótese de ser infrutífera a conciliação de ver o processo extinto nos termos do art. 51, inciso II.
A Lei dos Juizados Especiais não repete, de forma expressa, a regra contida no art. 1º da revogada Lei de Pequenas Causas, segundo o qual o autor podia optar pelo ajuizamento da causa nos juizados de pequenas causas. Da mesma forma, perante a lei vigente dos Juizados Especiais, as microempresas e as empresas de pequeno porte podem optar pelo ajuizamento da ação pelo regime do Código de Processo Civil ou pelo regime da Lei dos Juizados Especiais, ou seja, justiça comum ou juizado especiais cíveis estaduais e federais.
Se a opção for pelo regime da Lei dos Juizados Especiais, deverá observar que o valor da causa não poderá ultrapassar o limite de quarenta vezes o valor do salário mínimo vigente. Caso o valor da causa ultrapasse o valor previsto, nos exatos termos do inciso I, do art. 3º da Lei dos Juizados Especiais, esta considera que o proponente renunciou ao valor que exceder ao limite dos quarenta salários mínimos, mas beneficiando-se da celeridade do procedimento previsto no juizado especial. (8)
O art. 9º da Lei dos Juizados Especiais estabelece que "nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogados; nas de valor superior, a assistência é obrigatória". (9)
A assistência do advogado é facultativa nas causas de valor até vinte salários mínimos, para a formulação do pedido e a sessão de conciliação, mas, a partir da fase instrutória, ela é obrigatória. (10)
Embora a Lei dos Juizados Especiais faculte a assistência do advogado nas causas até vinte salários mínimos, entendemos que somente este possui condições técnicas de avaliar a viabilidade da propositura da ação, exame dos atos e fatos, fundamentos jurídicos, provas cabíveis, da via judicial apropriada para reivindicação da tutela jurisdicional de seus direitos, pois conforme ressaltamos anteriormente, se houver prova pericial, é melhor optar pela propositura perante a justiça comum ou ver sua demanda ser extinta nos termos do art. 51, inciso I da Lei 9.099/95.
Além disso, para recorrer, é obrigatória a intervenção do advogado, ou seja, cedo ou tarde a parte proponente necessitará do concurso do causídico.
Isso não significa que a parte é obrigada a contratar um advogado, porque de qualquer forma o parágrafo primeiro do art. 9º da Lei 9.099/95 assegura a assistência do advogado, dispondo que, se a parte contrária comparecer assistida de advogado, terá, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial.
Convém destacar que a lei não obriga a contratação do advogado, mas também não permite a livre escolha do profissional, sendo nomeado qualquer advogado previsto na assistência judiciária, o que assegura aos litigantes a igualdade de condições e tratamento.
De qualquer modo, é aconselhável que as microempresas ou empresas de pequeno porte valham-se do patrocínio dos advogados, independente do valor da causa, pois somente assim estarão plenamente assistidas e conscientes dos riscos e benefícios resultantes da propositura da demanda.
A contratação do advogado não supre o dever de as microempresas ou empresas de pequeno porte fazerem-se representar por preposto credenciado, consoante o parágrafo quarto do art. 9º da Lei 9.099/95, que dispõe: "o réu sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado".
A representação da pessoa jurídica faz-se por meio do sócio ou empregado, munido de carta de preposição e, em ambos os casos, também com contrato ou estatuto social.
A carta de preposição é um documento escrito em que as microempresas e empresas de pequeno porte credenciam o preposto a representá-las em juízo, podendo conciliar, transigir ou desistir, ainda que tais poderes não estejam expressos na carta.(11)
Indispensável que o preposto tenha conhecimento dos fatos relativos à demanda, pois poderá prestar depoimento pessoal na audiência de instrução e julgamento, se requerido pela parte adversa.
A falta da carta de preposição, na audiência, acarreta revelia, caso as microempresas e empresas de pequeno porte sejam rés na demanda. Omissa a Lei dos Juizados Especiais quanto à falta da carta de preposição quando elas forem autoras, entendemos que poderá ocorrer a extinção do processo nos termos do art. 51, com a condenação em custas.
É vedado ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente, conforme dispõe o art. 23 do Código de Ética e Disciplina da OAB, sujeito às penalidades previstas nos artigos 35, inciso I e 36, inciso II da Lei 8.906/94.(12)
A capacidade postulatória, que, de regra, pertence aos advogados regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil é facultada a Lei nº 9.099/95 ao proponente, no Juizado Especial, essa capacidade nas causas de valor inferior a vinte vezes o maior salário mínimo vigente no país, como abordarmos anteriormente.
Por fim, o artigo 74 da Lei Complementar 123/2006 excluiu dos cessionários de direito de pessoas jurídicas a possibilidade de ser admitidos como proponentes de ação perante o Juizado Especial.
A cessão em sentido amplo pode ser conceituada como a transferência negocial, a título oneroso ou gratuito, de uma posição na relação jurídica obrigacional e tem como objeto um direito ou um dever, com todas as características previstas antes da transmissão. (13)
O legislador, atendendo aos princípios consagrados no Juizado Especial, celeridade, economia e desburocratização, fez bem em excluir os cessionários de direito de pessoas jurídicas, porque a cessão poderá ensejar discussões jurídicas e resultar em desdobramentos imprevisíveis, estendendo o desfecho da causa.
O Código Civil de 1916 tratava somente da cessão de crédito, ao passo que o Código Civil de 2002 prevê, nos artigos 286 a 298, a cessão de crédito e, nos artigos 299 a 303, a cessão de débito ou assunção de dívida, sem contar que a cessão de contrato não possui tratamento no novo diploma civil.
Desse modo, as microempresas e empresas de pequeno porte podem fazer cessão de crédito, débito e contrato, mas os cessionários de direito dessas pessoas jurídicas não poderão valer-se dos Juizados Especiais, tendo garantido o acesso à justiça comum para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de seu direito, consoante disposto no art. 5, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Notas
(1) – Enunciados do Fórum Permanente de Juízes Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil. Enunciado 1. "O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor."
(2) – Enunciado 47. "A microempresa para propor ação no âmbito dos Juizados Especiais deverá instruir o pedido com documento de sua condição.".
(3) – Enunciado 49. " As empresas de pequeno porte não poderão ser autoras nos Juizados Especiais."
(4) – Nesse sentido ALVIM, J.E. Carreira. Juizados Especiais Cíveis Estaduais (Lei 9.099, de 26.09.1995). Curitiba: Juruá, 2003, p. 25.
(5) – NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 1220.
(6) – FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 104.
(7) – Jurisprudência dominante dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Destacamos os seguintes julgados: BA-Proc.JEITA -TAT 01097/03-1 – Relatora Daisy Lago Ribeiro Coelho- julgado em 1/11/2006; RS-Recurso Cível 71001094846 – Relator Clóvis Moacyr Mattana Ramos – julgado em 13/12/2006; RJ – Recurso 2005.700.004125-0 – 2ª Turma Col.Recursal do JECC – Relator Renato Lima Charnaux Sertã – julgado em 15/3/2005.
(8) – Cf. NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1560; ALVIM, op.cit. pg. 31-32, NERY JUNIOR, op. cit. p. 1221.
(9) – Enunciado 48. " O disposto no parágrafo 1º do art.9º, da Lei nº 9.099/1995, é aplicável às microempresas."
(10) – Enunciado 36. "A assistência obrigatória prevista no art.9º da Lei nº 9.099/1995 tem lugar a partir da fase instrutória, não se aplicando para a formulação do pedido e a sessão de conciliação."
(11) – ALVIM, op. cit., p.52, nota 4.
(12) – Lei 8.906, de 4.7.94, dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.Código de Ética e Disciplina da OAB. Publicado no Diário da Justiça, Seção I, do dia 1.3.95, páginas 4000 a 4004. Art. 23. "É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente.".
(13) – TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 2ª ed. São Paulo: Método. 2006, v. 2, p. 240; DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2, p. 431.
Roberto Brocanelli Corona*