As Mudanças na Responsabilidade Tributária dos Sócios com o Novo Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
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– INTRODUÇÃO
A Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, trouxe inúmeras alterações ao regime jurídico dessas empresas, atingindo várias disciplinas que vão desde o tratamento tributário diferenciado, passando pelo notarial até em licitações. Ainda é cedo para avaliar seus efeitos sociais e econômicos, pois em vários pontos é necessária a regulamentação e a ações conjuntas das três esferas federativas. Contudo, é fato que essa mudança legislativa foi radical.
O presente artigo enfoca diretamente o determinado nos artigos 134, VI, e 135, do Código Tributário Nacional, e o posto no art. 78, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar 123/2006. Esses artigos tratam da responsabilidade de terceiros pelos créditos tributários de titularidade de outros, no caso especifico, a responsabilidade das pessoas dos sócios pelos créditos tributários devidos pelas sociedades nos caso de sua baixa (extinção ou declaração de inatividade). Vide o novo texto:
"Art. 78. As microempresas e as empresas de pequeno porte que se encontrem sem movimento há mais de 3 (três) anos poderão dar baixa nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos.
"§ 1o Os órgãos referidos no caput deste artigo terão o prazo de 60 (sessenta) dias para efetivar a baixa nos respectivos cadastros.
"§ 2o Ultrapassado o prazo previsto no § 1o deste artigo sem manifestação do órgão competente, presumir-se-á a baixa dos registros das microempresas e as das empresas de pequeno porte.
"§ 3o A baixa, na hipótese prevista neste artigo ou nos demais casos em que venha a ser efetivada, inclusive naquele a que se refere o art. 9o desta Lei Complementar, não impede que, posteriormente, sejam lançados ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da simples falta de recolhimento ou da prática, comprovada e apurada em processo administrativo ou judicial, de outras irregularidades praticadas pelos empresários, pelas microempresas, pelas empresas de pequeno porte ou por seus sócios ou administradores, reputando-se como solidariamente responsáveis, em qualquer das hipóteses referidas neste artigo, os titulares, os sócios e os administradores do período de ocorrência dos respectivos fatos geradores ou em períodos posteriores.
"§ 4o Os titulares ou sócios também são solidariamente responsáveis pelos tributos ou contribuições que não tenham sido pagos ou recolhidos, inclusive multa de mora ou de ofício, conforme o caso, e juros de mora."
A analise consiste, primeiro, em verificar a competência legislativa do legislador complementar federal em disciplinar a matéria, segundo, a vigência e aplicação da nova norma jurídica estabelecida, terceiro o que realmente foi alterado quanto à responsabilidade dos sócios perante os débitos tributários das sociedades, em especial as sociedades limitadas (arts. 1052 e seguintes do CC/2002).
II – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
A busca pelo conhecimento científico do Direito, bem como a hierarquia das normas existente em um Estado Democrático de Direito, obriga-nos a olhar, antes de qualquer outra análise, a harmonia do texto legislativo emitido e a competência, ou legitimidade, do órgão emissor estabelecida pela Constituição Federal.
A matéria objeto de estudo é a responsabilidade de terceiros pelos créditos tributários devidos por um contribuinte diverso daqueles, ou seja, a terceira pessoa assumirá a posição do sujeito passivo do qual será cobrado o tributo devido por outro. Dessa forma, está claro que a matéria se trata da própria definição do sujeito passivo da obrigação tributária, pois o responsável tributário, apesar de não se confundir com o este, pode assumir todas as suas obrigações.
O texto do art. 146, III, a e b, da Constituição Federal, deixou claro que as normas gerais para definição dos fatos geradores, base de cálculo e contribuinte de um tributo serão estabelecidas em lei complementar, bem como as suas normas gerais quanto às prerrogativas e garantias das obrigações, lançamentos e créditos tributários. Não se trata abolir o poder do legislador ordinário na escolha de tais elementos, apenas definiu limites ao mesmo. Tais limites para definição do responsável tributário estão estabelecidos no Código Tributário Nacional, em seus art. 128 e seguintes. A natureza do Código Tributário Nacional é de lei complementar material, isso é, qualquer alteração nessas regras dependerá de alteração por lei de igual competência. (1)
O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte definiu novas regras para tributos de competência dos Estados e Municípios, no caso o ICMS e ISS, que por força dos art. 155, II, §2º, XII, a, b e d, e 156, III, da CF/1998, sofrem influência direta das regras gerais para a definição dos contribuintes e responsáveis tributários.
Outra questão pertinente à competência legislativa a ser alertada é que a regra trazida pelos dispositivos em voga resulta em uma quebra, mesmo que parcial, ao disposto no arts. 1.052 e 1.080 do Código Civil, pois acrescenta mais uma limitação o primado da separação entre os patrimônios sociedade limitada e seus sócios. Antes a única limitação ao primado eram os casos de deliberações realmente contrárias ao contrato social ou à lei, nunca o mero inadimplemento. Isso, porque somente por lei emanada pelo legislativo federal poderia ele ser quebrado, devido ser a matéria de competência privativa da União (art. 22, I, da CF/1988).
Em fim, atuou de forma legítima o legislador federal ao introduzir no mundo jurídico, por lei complementar, o texto presente no art. 78, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar n. 123/2006.
III – VIGÊNCIA E APLICAÇÃO
Ultrapassado o quesito da validade do norma geral e abstrata transportada pelo texto do art. 78, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar 123/2006, é cabal verificarmos a sua vigência e aplicação, definir a que casos realmente a norma de responsabilização dos sócios (terceiros) incidirá (ou "ser incidida").
3.1. Vigência
A vigência é a qualidade das normas jurídicas introduzidas de forma válida de "propagar efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fático, os eventos que elas descrevem." (CARVALHO, p. 82) Ela apresenta-se em dois palcos, o espacial e o temporal. O que nos interessa é o temporal, informante de qual momento as regras dispostas nos dispositivos acima citados iniciarão poder propagar seus efeitos.
A regra geral de geral de vigência encontra-se no art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-Lei n. 4.657/1942) (2): "Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o Pais 45 dias depois de oficialmente publicada." Regra essa que nas questões tributárias deve ser interpretada em conjunto com os arts. 104, do Código Tributário Nacional, e 150, III, b e c, da Constituição Federal, originando a norma de estrutura que veda o início de vigência das normas de instituição e aumento de tributos no mesmo exercício de publicação de seu instrumento legislativo e antes de noventa dias de sua publicação.
Neste momento, se assevera a atenção, seria a norma trazida pelo art. 78, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar 123/2006, atingida pela regra de conduta especial dos arts. 104, do Código Tributário Nacional, e 150, III, b e e, da Constituição Federal? "O princípio da anterioridade abrange a instituição do tributo (mediante a definição de seus elementos material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo)" (PAULSEN, p. 190), ou seja, em nossa visão, como a responsabilidade de terceiros é referente à sujeição passiva (elemento pessoal), logo sua norma de responsabilidade alterou o critério pessoal dos tributos elencados no novo estatuto. Contudo, tal interpretação, provavelmente, não encontra grande apoio na jurisprudência, porque esta entende que a alteração dos responsáveis pelo recolhimento dos créditos tributários como não criadora ou alteradora um tributo, e isso ficaria ressaltado quando o contribuinte principal ainda é o verdadeiro responsável pelo recolhimento, resultando na aplicação da regra geral de vigência das leis. (3)
Todavia, mesmo com a questão supra proposta, o dispositivo do art. 88, da Lei Complementar 123/2006, trás uma regra particular de vigência diversa das postas acima, com base na parte final do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis:
"Art. 88. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, ressalvado o regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte, que entra em vigor em 1o de julho de 2007."
Reputamos estranha essa redação, pois ela se refere ao regime de tributação, não indica o capítulo, seção ou artigos a que teriam a sua vigência iniciada imediatamente. Dessa forma, surge uma nova pergunta: as normas de responsabilidade tributária de terceiros fazem parte do regime de tributação das microempresas e empresas de pequeno porte para esse diploma?
A utilização da expressão "regime de tributação" está longe de ser precisa, bem como a regra de responsabilização está em um outro capítulo do Estatuto, naquele referente às disposições finais.
As pistas para obtermos a resposta estão no próprio diploma, a primeira encontra-se no seu art. 1º, I:
"Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
"I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;"
A segunda está na própria separação do Estatuto, pois há um capítulo inteiro somente para definição do regime de tributação das micro e pequenas empresas, o Capítulo IV, que abrange os arts. 12 a 41 no qual está presente o art 12 que institui o regime de tributação da pequena e micro empresa:
"Art. 12. Fica instituído o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional."
Já o art. 78, do Estatuto, é referente às regras de baixa e dissolução das empresas, e é nele que está disciplinado a nova regra de responsabilização de terceiros (sócios) pelos créditos tributários devidos pela sociedade limitada.
Assim, em observação à clássica orientação do Supremo Tribunal de Justiça de que os parágrafos de um artigo são intimamente ao caput do mesmo, e pelo caput do art. 78, do Estatuto, tratar de assunto diverso do Capítulo IV, acreditamos que a norma do art. 88, do mesmo diploma, não inclui a norma objeto de nosso estudo sob a pecha de regime tributário, pois a sorte dos parágrafos de um artigo é a sorte de seu caput. (ADI n. 4/DF, Pleno do STF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU 25.06.1993) Ou seja, mesmo que a contra-gosto, o início da vigência da indicada norma de responsabilidade é o dia da publicação da lei.
3.2 Aplicação
Quanto à aplicação, esta significa "dar curso ao processo de positivação", que em resumo pode ser colocada como a transição da norma geral e abstrata tornando-se norma individual e concreta pronta para surtir seus efeitos. Ou seja, ao momento que o agente competente verifique ocorrência no mundo real de evento previsto como hipótese normativa de determinada regra, ele, mediante instrumento de linguagem competente (sentença, ato administrativo, declaração de vontade ou outros), à faz incidir sobre a situação, tornando-se exigível o comando de conduta do conseqüente da regra. (CARVALHO, p. 87-88).
Mesmo desclassificando a regra obtida dos textos do art. 78, §§ 3º e 4º, da Lei Complementar n. 123/2006, como participante do regime tributário a que se refere a o artigo 88, da mesma lei, ela trata evidentemente de matéria de natureza tributária, logo a sua aplicação está regulada pelo disposto no art. 105, do Código Tributário Nacional:
Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja a ocorrência não esteja completa nos termos do art. 116.
De forma geral, a aplicação retroativa das normas somente é válida quando não agrave a situação do administrado, ferindo o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CARRAZZA, p. 314), segundo a interpretação do art. 5º, XXXVI, da CF/1988. Na arena tributária, existem algumas regras de estrutura adicionais de proteção ao contribuinte, entre elas oriundas do art. 150, III, da Constituição Federal, e da interpretação conjunta dos artigos 105 e 106, do CTN. Isso, porque nos dois primeiros dispositivos especiais, está clara a impossibilidade retroatividade da legislação tributária a fatos pretéritos à sua publicação. A única brecha está no art. 106, do CTN, que permite a retroatividade das normas à eventos pretéritos à publicação do seu instrumento legislativo nos casos: (I) de norma interpretativa e que não agrave a aplicação de penalidades, e (II) de processos não definitivamente julgados em que o contribuinte seja beneficiado por uma redução ou anistia de penalidade, ou extinção da norma sancionadora. Isso é, somente nesses casos é permitida a aplicação retroativa da norma.
A regra objeto de análise não se encontra em qualquer uma das hipóteses de retroatividade. Isso quer dizer que a regra de responsabilidade solidária, entre os sócios e sociedades limitadas enquadradas como micro ou pequenas empresas pelos créditos tributários originados pela atividade da sociedade, somente poderá ser aplicada pelos agentes competentes a partir do início de sua vigência, bem como somente aos fatos geradores ocorridos ou concluídos após esta data.
Outra questão vinculada à aplicação da norma expressa no art. 78, §§ 3º e 4º, do Estatuto, é a quem ela é dirigida, ao voltarmos para o texto legal, está claro que para sofrer a incidência da indicada norma somente será possível a empresa enquadrada como microempresa e empresa de pequeno porte, aquelas não enquadradas não podem sofrer o julgo dessa norma aplicando-se normalmente as regras instituídas pelos arts. 134 e 135, do CTN.
Contudo, em face da dinâmica da vida não apreendida pela legislação, quando uma sociedade limitada antes desenquadrada do regime instituído pelo Estatuto, e passa ser enquadrada, ou, ainda, quando a empresa está enquadrada e, por qualquer motivo, deixa estar enquadrada, quais as regras de responsabilização de terceiros (sócios) devem ser aplicadas? As dos arts. 134 e 135, do CTN, ou do art. 78,§§ 3º e 4º, da Lei Complementar n. 123/2006?
Nossa visão é simplista e dogmática, a regra do art. 78, §§ 3º e 4º, do Estatuto, somente pode ser aplicada quando houver a baixa junto aos órgãos de registro de uma sociedade limitada que estiver enquadrada como micro ou pequena empresa no momento da sua respectiva baixa. Caso, no momento da baixa, a empresa não esteja enquadrada como micro ou pequena empresa, não se completará a situação prevista no antecedente da nova norma, assim seriam aplicadas as regras dos arts. 134 e 135, do CTN
No segundo caso, em que a sociedade limitada que estava desenquadrada como micro ou pequena empresa, e a partir de um certo momento, ela foi enquadrada e depois sofreu a baixa de seu registro, a norma do art. 78, §§ 3º e 4º, do Estatuto, somente surtirá efeito em relação aos créditos tributários que são oriundos de atividades posteriores ao momento do enquadramento, até então seria aplicável as regras oriundas dos arts. 134 e 135, do CTN. Isso devido ser a norma individual e concreta de enquadramento do regime geral da micro e pequena empresa posterior à ocorrência dos eventos que geraram os créditos tributários, ou seja, é a aplicação do princípio da irretroatividade a todos os atos administrativos. As regras do Estatuto somente começaram a poder ser aplicadas e terem efeitos no caso individual a partir do momento em que o ato de enquadramento da sociedade limitada é comunicado e passar a viger (MELO, p.184; DIOGENES, p.70), não antes.
IV – COMPARAÇÃO DO NOVO INSTITUTO E A ORIENTAÇÃO ANTERIOR
Após termos analisado os principais aspectos formais do novo instituto, convêm compararmos o que, realmente, foi alterado. Isso, inclusive na discussão da verdadeira aplicação do disposto no art. 78, §§ 3º e 4º.
A orientação clássica dos tribunais superiores quanto à responsabilidade tributária dos sócios vem da interpretação conjunta dos arts. 134, VII, e art. 135, I e III, do CTN, que devem ser citados:
"Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
"VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
"Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
"I – as pessoas referidas no artigo anterior;
"(…)
"III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."
O art. 134, do CTN, como se extraí da sua dicção, trata de casos de responsabilidade subsidiária, pois antes de qualquer cobrança a ser efetuada às pessoas ali elencadas, exige que haja a impossibilidade do agente (contribuinte) em satisfazer o crédito tributário oriundo de natureza principal. Isso, somente nos casos em que os elencados tenham participado por ação ou omissão quando deviam agir. Bem como, desonera os responsáveis do pagamento das penalidades (multas de ofício), somente tornando-os devedores de juros e multas moratórias. Além do texto do parágrafo único, expressão do caput "impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte", deixa claro esses dois elementos.
E, ao tratar especificamente dos sócios, o inciso VII delimita mais a responsabilidade destes somente aos casos de liquidação irregular. Pelo que se encontra no artigo, a responsabilidade subsidiária do sócio pelo crédito tributário oriundo da obrigação material somente incidirá, quando, na liquidação da sociedade, se evidenciar que patrimônio da empresa alicerce para a satisfação dos tributos devidos foi desviado aos sócios (AMARO, p. 318). Ou seja, se não houve quaisquer comprovação disso, e, na liquidação, apenas foi comprovado que os tributos não foram pagos por mero insucesso do negócio não haverá como responsabilizá-los.
Já, no disposto do art. 135, trata-se de atos em que há dois elementos diversos: a responsabilização pessoal e a necessidade de que haja uma prática de um ato verdadeiramente ilegal. Nele o objeto é a responsabilização do agente que praticou atos em nome de outros, como é o caso do administrador ou mandatário. Para a responsabilização desses terceiros, é necessário que o ato por eles cometidos "escape totalmente às atribuições de gestão ou administração" (AMARO, p. 319), isso engloba atos ilegais, que são impossíveis de cometer em exercício regular de poderes, o que se resume o excesso de poderes e quebra das normas legais, contratuais ou estatuárias.
Alguns doutrinadores vão além, defendem que, no caso de incidência da regra do art. 135, do CTN, o terceiro substituiria o contribuinte original, porque aquele seria pessoalmente responsável, como forma de penalizar somente o mandatário ou administrador fraudulento. (4)
Assim, mas em todos os casos, para que haja a responsabilização dos sócios, a jurisprudência e grande parcela da doutrina exigem que haja uma verdadeira desobediência à ordem legal, praticamente dolosa, não um mero inadimplemento a uma obrigação comercial, trabalhista ou fiscal, pois ele representa justamente as dificuldades de administrar uma empresa no mundo atual (MELO, p. 249).
A leitura conjunta dos arts. 134 e 135, do CTN, é pela na aplicação direta dos dois dispositivos aos sócios com poder de gerência, neste caso os sócios-gerentes, sócios-administradores ou sócios-diretores. O seguinte acórdão do STJ é claro nessa conjunção, bem como na demonstração da necessidade probatória do excesso de poder ou infração a lei ou dissolução irregular da sociedade limitada:
"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DE TERCEIROS. SÓCIO. HIPÓTESES DE CABIMENTO. ART. 135,III, DO CTN. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
"I – Verifica-se dos elementos constantes dos autos que o apelado Paulo Silas de Souza Messina retirou-se da sociedade em maio/84, conforme cópia da alteração contratual da firma SEAGULL CONFECÇÕES DE ROUPAS LTDA. juntada às fls. 27/30, e que a execução fiscal ajuizada contra tal empresa trata de cobrança de imposto de renda do exercício de 1982, relativo ao lucro real do ano-base de 1981, cuja dívida foi inscrita em 31/03/83 (fl. 49), tendo alcançado os apelados/embargantes em virtude do desaparecimento da sociedade executada (fl. 84).
"II – Em que pese vislumbrar-se do conjunto fático-probatório do processo em tese a responsabilidade solidária de ao menos um dos apelados/embargantes, a teor do disposto pelos arts. 134, VII e 135, II, do CTN, mister seria que a apelante/embargada provasse que a obrigação tributária em questão resultou de ato praticado com excesso de poder ou infração à lei, ao contrato social, ou ao estatuto, ou, como afirma, que houve dissolução irregular da sociedade, ônus que lhe cabia, considerando a natureza autônoma incidental dos embargos à execução, razão pela qual merece ser mantida a sentença atacada, por seus fundamentos. Jurisprudência do STJ.
"III – A UF/FN deixou de fundamentar a pretensão sucessiva de não condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, descumprindo o requisito previsto no art. 514, II, do CPC, sendo, de qualquer maneira, cabível à espécie a condenação em honorários advocatícios, com fulcro no § 4º do art. 20 do CPC. Doutrina e jurisprudência.
"IV – Apelação e remessa conhecidas, mas improvidas." (Agravo Regimental no REsp. n. 637.247-AL, da 1ª Turma do STJ, Rel. Min.José Delgado, DJ 13.12.2004)
Todavia, em sentido contrário, o legislador complementar do art. 78, §§ 3º e 4º, do Estatuto, em vez de proteger o pequeno empresário da gana fiscal, pôs toda a construção doutrinária e jurisprudencial de lado.
Certo é que a nova legislação diminuiu as formalidades para ser dada a baixa (extinção ou inatividade) de uma micro e pequena empresa, inclusive ela deve ser consolidade independentemente do cumprimento das obrigações tributárias, conforme art. 9º, do mesmo diploma complementar. É de se entender que o espírito da norma é justamente garantir a celeridade do processo de baixa, desonerando o empresário da manutenção de um corpo pós-morte para funções burocráticas, mas lhe dando responsabilidade total pelos débitos tributários.
Outro fator de alteração é a não separação dos sócios com poderes gerenciais dos sócios cotistas, colocando-os todos em uma mesma vala, nos caso de baixa. Dessa forma, pode-se afirmar a existência duas linhas de regras de responsabilidade dos sócios. A primeira, nos casos com sociedades limitadas não enquadradas como microempresas ou empresas de pequeno porte, em que a responsabilidade dos sócios sem gerência é subsidiária e limitada ao valor das obrigações principais e sanções moratórias nos casos de liquidação irregular, e a dos sócios-gerentes somente pelos atos de excesso de poder ou nitidamente ilegais ou contrários ao contrato ou estatuto. E, a segunda, em que todos sócios das sociedades limitadas enquadradas no novo estatuto são responsáveis solidários com seu patrimônio pessoal pelos tributos e quaisquer multas e juros que venham a ser constituídos referentes aos fatos geradores relacionados ao período de sua atividade.
Provavelmente, os Fiscos buscarão aplicar indistintamente o disposto no §4º, do art. 78, da Lei 123/2006, de forma separada e independente do caput, como tentam com o art. 135, do CTN, em desobediência aos requisitos nele impressos. Porém, o entendimento jurisprudencial de que a aplicação do parágrafo deverá ser a mesma a de seu caput, isso é, restrito às micro e pequenas empresas no caso de sua baixa quando estiverem emquadradas como tais.
V – CONCLUSÕES
Está claro que o primado da separação da pessoa jurídica (sociedade limitada – art. 1052, do CC/2002) e das pessoas de seus sócios foi frontalmente abalado no caso de enquadramento da sociedade limitada no novo estatuto (Lei Complementar n. 123/2006). Contudo, neste pouco tempo de existência do novo estatuto, entendemos que essa alteração no ordenamento jurídico foi válida, apesar de ser moralmente criticável. A partir da vigência do dispositivo, na data da publicação da lei complementar, ser sócio de uma micro ou pequena empresa se tornou mais arriscado. O que torna menos atrativo o investimento de terceiros (propensos sócios meramente cotistas) em pequenos empreendimentos, pois eles poderão ser responsabilizados ilimitadamente em seu patrimônio pessoal pelos tributos da sociedade limitada enquadrada, mas em que não tiveram gerência.
Por final, como reflexão, lembremo-nos da trágica estatística brasileira de que praticamente metade das empresas brasileiras não sobrevivem até o final de seu segundo aniversário.
NOTAS
(1) Desde a publicação da Carta Magna de 1967 (art. 18, §1º) até a atual vigência da Carta Magna de 1988 (art. 146, I), essas matérias somente podem ser tratadas por lei complementar em sentido estrito. "Desta forma, a Lei Nacional n. 5.172/66 só poderá ser revogada ou modificada por lei formalmente complementar." (CARRAZZA, p. 807)
(2) Diploma que a nosso ver tem força de lei complementar material, conforme o art. 59, parágrafo único, da CF/1988, somente podendo ser alterado ou revogado por texto legal de mesma hierarquia material, ou seja, lei complementar formal.
(3) Na oportunidade de avaliação jurisprudencial do disposto do art. 31, da Lei n. 8.212/1991, alterado pela Lei n. 9.718/1998, o STJ chegou ao entendimento acima. (Ex.: REsp. n. 524.454, Primeira Turma do STJ, Rel. Min. José Delgado, DJU 09.08.2004)
(4) Essa posição doutrinária encontra guarita no pensamento dos professores Luciano Amaro (p. 318-319) e José Eduardo Soares de Melo (p. 249). Em oposição, está o professor Ricardo Lobo Torres (p. 227-228) que deixa clara a existência de uma "solidariedade ab initio", posição apoiada inclusive pela maioria da jurisprudência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 7ª ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2000.
Gustavo Vettorato*